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O que impressiona já não é a diferença, que sempre foi salutar. Nem sequer a clivagem, que desde há muito se foi tornando habitual. O que perturba é a agressividade destilada e a hostilidade vertida. São elas que deixam as sociedades nas fronteiras do ódio e nos umbrais da violência.
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As pessoas pleiteiam com insinuações e agridem-se com a calúnia. Acresce que se dá mais crédito a uma mentira, se ela atingir alguém, do que à maior verdade. Sobretudo se esta não prejudicar ninguém.
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Por predisposição – e epidérmica má formação –, estamos receptivos aos rumores sem fundamento e aos julgamentos sem defesa. Somos capazes de suspeitar mais do bem que sobressai do que do mal que se atribui.
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Numa altura em que os problemas se multiplicam, espanta que não paremos de nos dividir. Ninguém discorda de Raymond Aron quando assinalou que «a democracia é obra comum de partidos rivais». Mas que disponibilidade há para reconhecer o mérito alheio?
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Dificilmente os governos acolhem as propostas das oposições. E raramente as oposições valorizam os resultados dos governos. O negativismo é de tal modo contagiante que os cidadãos movem-se mais por aquilo que rejeitam do que por aqueles que apoiam.
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Não estamos perante a falência da democracia. Mas podemos ficar imersos numa prolongada crise da democracia. Não foi por acaso que, há já muitos anos, Aloísio Stepinac alertava para o perigo de a democracia degenerar numa «demonocracia».
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Um dos principais «demónios» da democracia é a estigmatização dos seus intervenientes. Por este andar, até os «progressistas» correm o risco de se tornarem «conservadores». Enquistados na sua concepção de «progressismo», não se abrem a outros contributos para um efectivo progresso.
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A obsolescência destas catalogações salta demasiado à vista. Não terá chegado o momento de as superar?
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Os «progressistas», com a natural ânsia de progredir, esquecem que também há muito para conservar. E os «conservadores», com o compreensível desejo de conservar, negligenciam o muito que ainda há para progredir. Ninguém ganha sem os outros. Todos crescemos com os outros.
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Entre tantos muros e tamanhas feridas, a prioridade é «consertar». Daí que, mais que «progressista» ou «conservador», o importante seja ser «conservador». Numa humanidade «rasgada» por tanta fractura desoladora, o caminho não passará por uma clara opção «consertadora»?
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira