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Permanecer no espírito de Abril

As comemorações do 50.º aniversário do 25 de Abril de 1974 têm recordado o espírito que passou a reinar nos momentos imediatamente à Revolução e bem assim as declarações políticas daqueles que passaram a governar o país. Nos primórdios, na cúpula do poder estiveram representadas as diferentes sensibilidades políticas do momento e assumiu-se que o povo era quem mais ordenava. Passados todos estes anos, o sistema democrático então implantado resistiu, ainda que, por diversas vezes, tenha sido posto à prova. Os desafios continuam nos dias de hoje. A democracia deve ser um caminho construído em permanência por todos e com todos. Qualquer tentação para a sobranceria deve ser combatida.

A democracia deve fazer-se em comunidade, em que todos se escutam. É no diálogo e na partilha entre diferentes perspectivas que a democracia amadurece e a sociedade se questiona sobre os limites dos entendimentos e discerne o rumo e os caminhos a percorrer. De portas abertas, onde todos possam entrar e participar. Ter espírito democrático é aceitar isso sem esforço e com convicção. A democracia não é um condomínio fechado, com direito de admissão reservado; é uma casa aberta onde todos podem entrar. Nenhum partido é detentor da verdade absoluta. Apesar das tensões e conflitos que possam aparecer, a comunidade é o ambiente onde se faz a experiência da democracia. 

Quando um partido governa isolado, fechando a porta a outras perspectivas que não a sua, a autenticidade da democracia fica em causa. Se não tem maioria, tem que negociar. Colocar-se em bicos de pés não é a melhor atitude. Mas, os maiores partidos da oposição também têm que estar disponíveis e abertos a negociar. A democracia pratica-se de forma original nas alturas em que quem coordena a governação não tem poder indiscriminado e precisa de articular com as demais forças políticas. Bem sei que não é apetecível, nem fácil, mas é quando o povo se sente melhor representado. Será que este tem sido bem representado e respeitado? 

 


2. Os órgãos de comunicação social são um suporte da democracia e de controlo da actividade política, informando e investigando situações que facilmente escapariam ao cidadão comum. A independência de quem neles trabalha é imprescindível para que quem quer que leia o que se escreve e diz seja credível. É verdade que ser independente não significa que não se tenha opinião, mas importa que o público não fique com a dúvida de que esta ou aquela notícia foi manipulada pelas convicções políticas e até interesses particulares do jornalista. Vem isto a propósito da escolha de um jornalista para a lista de candidatos a eurodeputados de um partido político. Parece-me saudável que a política recrute jovens promissores, mas o caso não deixará de ser usado para questionar se a percepção que o público tem dos jornalistas não é posta em causa. Pessoalmente, preferiria que houvesse um período de nojo entre uma actividade e outra, ao invés de uma passagem imediata da posição de jornalista a político, a bem da transparência. Quem convida e quem aceita não devem negligenciar as consequências que decisões desta natureza têm no juízo que os cidadãos farão da política e do jornalismo.

 


3. Também não me parece saudável que alguns destacados políticos, recentemente eleitos deputados à Assembleia da República, sejam agora candidatos a eurodeputados. Descredibiliza a política e deixa desconfiados os cidadãos que votaram, ainda mais dos que o fizeram no partido que os apresentou ao anterior acto eleitoral. Fica em causa a responsabilidade e a representação dos eleitos e, em sentido mais genérico, a confiabilidade dos políticos. A ética democrática deveria levar a que os eleitos honrassem os compromissos de representação perante os eleitores. O mínimo exigível é que os eleitos cumpram até ao fim, com espírito de Abril e boa fé, o contrato celebrado.

Luís Martins

Luís Martins

30 abril 2024