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A natureza do homem: ser livre

Nesta semana, os portugueses tiveram a oportunidade de recordar, no passada 5.ª Feira, um acontecimento com cinquenta anos de existência, exactamente, o 25 de Abril.

 


Houve, como é habitual, várias comemorações e discursos, atitudes mais efusivas ou mais silenciosas, que dependeram em boa porte da maneira de ser do nosso povo, que é sentimental e também um pouco reservado, pelo menos se o comparamos com os habitantes de outros países europeus que são mais efusivos e exuberantes. Os nossos vizinhos da grande nação espanhola assim o confirmam.

 


No entanto, se pensarmos um pouco, o que aconteceu no dia referido, é uma prova evidente que o lusitano médio é um ser pacato: fez uma revolução e, praticamente, não precisou de dar um tiro. Também teve compreensão para com aqueles que sujeitaram o país a uma ditadura durante muito tempo, programando a sua ida para o Brasil de um modo sereno e pacífico. Conseguiu terminar uma guerra colonial em boas condições, regressando os nossos soldados ao país sem grandes contratempos.

 


Enfim, começou então um sistema político caracterizado pela sua índole democrática. E a verdade é que, sempre com serenidade, com alguma breve excepção, ao longo destas cinco dezenas de anos, realizou eleições, mudou governos, enfim, assistiu a alterações pessoais de figuras e grupos políticos, e tudo com a atitude respeitosa do sistema, não provocando confusões e tentando seguir aquilo que a legislação determina.

 


É meio século com muitas alterações, mas sempre com a calma e a dignidade exigidas pela conduta democrática. Viu desaparecerem muitas figuras, umas por terem de ceder o seu lugar ao não obterem bons resultados eleitorais e outras, porque a vida é como é, e já não estão presentes entre nós. Lembro, por exemplo, Mário Soares, Sá Carneiro, Amaro da Costa e tantos outros. O que é natural. Reparemos que quem nasceu no ano do 25 de Abril tem ou vai festejar, mais tarde ou mais cedo, até ao fim de 2024, a quinquagésima festa dos seu aniversário.

 


Assim, Portugal vive num sistema democrático, com a necessária calma e serenidade, podendo quem assim o desejar dizer com à vontade o que pensa e o que lhe parece mais conveniente, sem o receio de ver desprezada a sua liberdade de cidadão. Mais: de tempos a tempos, é chamado a dar o seu parecer sobre quem deve governar o país, deixando o seu voto nas urnas eleitorais com a confiança de que o que opinou não é esquecido ou manipulado, como há tempos se viu em emissão televisiva, a respeito dumas eleições coordenadas pelo actual ditador dum conhecido e relevante país.

 


Certamente que há muitas coisas que não estão bem ou podiam estar melhor. Não tenhamos dúvidas. Mas, pelo menos, podemos dizer publicamente, extrovertendo os nossos juízos, sem o temor de sermos desrespeitados ou até maltratados fisicamente. 

 


Há dias, uma pessoa amiga, comentava que, por vezes, ouvia pareceres políticos de cidadãos mal informados, que lhe davam a sensação de que o que diziam, além de ser um disparate ridículo, nada tinha a ver com a nossa realidade. No entanto, acrescentou, o sistema democrático permite responder com liberdade e contestar tais ideias sem violência, mostrando, com clareza, o que em nossa opinião se afigura errado ou inconveniente. Possivelmente, quem proferiu tais ideias que foram, pacifica e calmamente contestadas, não reaja da melhor forma às objeções que lhe fizeram. Talvez tome até atitudes impróprias e pouco educadas. Mas o que ouviu certamente que não deixará de o fazer reflectir, o que poderá ser um princípio de maior contenção das ideias que expôs e, até, de revisão das afirmações apresentadas.

 


A democracia convida todo o cidadão a ser respeitador dos pareceres alheios e permite, a quem está mais fundamentado, emitir o seu juízo com o desejo sincero de que o interlocutor se aperceba das carências e defeitos das suas opiniões. Para tanto, é necessário que haja, da parte de todo o cidadão, a boa vontade de se deixar corrigir e de aprender. Manter uma opinião por orgulho, não é democrático, mas próprio de um sistema coercivo, que impõe o que quer como algo de irrefutável. Mas esta atitude, além de abusiva, despreza uma realidade essencial do homem, já que, por natureza, é um ser livre.

Pe. Rui Rosas da Silva

Pe. Rui Rosas da Silva

30 abril 2024