Há mais de dez anos, os cidadãos de Braga que gostam e vivem a cultura olhavam com inveja para a cidade de Guimarães. Sentiam que ali o acesso à cultura era diário, possível e, essencialmente, acessível a todos. Mais de dez anos passaram e, hoje, os bracarenses perderam esse olhar de quem vem em segundo ou terceiro lugar. Sentem que a sua cidade incorporou quase por inteiro o título de capital do Minho e a cultura não é exceção. No entanto, o percurso que culminou na Braga’25 pode, hoje, ser muito mais e fazer aquilo de que uma cidade como Braga verdadeiramente necessita: garantir o acesso de todos à cultura. À cultura que dói, que constrói e que reflete.
A verdade é que, apesar dos magníficos progressos feitos na democratização da cultura em Braga, é preciso fazer mais. É necessário assegurar que os nichos passem a ser apenas exceções e que os temas difíceis de contactar e explicar deixem de ser uma realidade apenas para alguns, tornando-se numa escolha de fim de semana para todos. Lisboa tem a Gulbenkian como polo agregador da cultura e da alta cultura, aberta a todo o tipo de pessoas. No Porto, essa missão está assente na Casa da Música e na Fundação de Serralves. Em Braga, continuamos sem esse polo agregador que ofereça uma programação cultural elevada, complexa, democrática e eclética.
Muitos poderão afirmar que essa função tem sido assumida pelo Theatro Circo. Porém, a verdade é que, muitas vezes, esta instituição funciona em nicho: exclui quem, por vezes, acha que “não vai entender” ou quem sente que a dignidade da sala exige um conhecimento imediato daquilo a que se vai assistir. No final do dia, a cultura é a forma mais precisa de trabalhar e expandir aquilo que nos une - a linguagem humana - e, nesse sentido, o Theatro Circo deve ser o centro da expansão do universo cultural bracarense. Sei, e isso deixa-me profundamente triste, que muitos bracarenses não conhecem o interior do Theatro, isto é uma derrota cultural para mim. Se o confronto com a cultura basta para entendermos que não estamos sós, o confronto com aquela sala chega para percebemos a potencialidade cultural que Braga carrega.
O Museu Guggenheim transformou Bilbao, mas a cidade nunca deixou de ter, como motor essencial, a sua história cultural. Não foi a arte moderna que trouxe cultura a Bilbao, mas sim a possibilidade de expandir a linguagem cultural de um povo mais antigo do que Portugal. Esse polo atrativo tem de surgir também em Braga e o Theatro Circo terá obrigatoriamente de ser a primeira instituição a assumir essa função. Não pode continuar fechado sobre si próprio e sobre a sua forma de ver o mundo. Braga merece a sua própria Serralves, embora isso exija, inevitavelmente, a atenção do Estado central.
A notícia de que a Feira do Livro regressará ao centro da cidade é reveladora do entendimento de quem governa hoje o Município. A cultura deve ser um encontro geracional; deve permitir que, ao ir tomar um café, nos deparemos com essa imposição de pensar e refletir. A minha geração cresceu com a Feira do Livro e sentiu a sua ausência como uma perda significativa. Contudo, isso não significa que devamos considerar incompatíveis outras formas de promover a cultura. O Utopia Festival, que nasceu com o propósito de expandir a linguagem literária, teve este ano uma edição fantástica, oferecendo aos bracarenses a oportunidade de conviver e trocar ideias com escritores e artistas. Isto é, exatamente aquilo de que a nossa cidade precisa. Esta edição culminou com uma peça de José Tolentino de Mendonça numa capela que escutava em silêncio e, graças à versatilidade e às excelentes condições do Espaço Vita, pudemos ainda ouvir o maestro Martim Sousa Tavares refletir connosco sobre o papel da cultura na nossa sociedade.
Precisamos de afirmação em várias áreas, com festivais e momentos cuja repetição o público possa antecipar, e precisamos de ocasiões em que o contacto dos bracarenses com a cultura seja inevitável. Citando Vasco Graça Moura: “As palavras estão presas ao real. Não há praticamente nenhuma poesia, nenhuma literatura, que sobreviva se não houver uma especial coerência entre elas e a realidade. Talvez o mesmo se possa dizer em relação a todas as outras artes…” Depois da abertura da cidade à cultura, é tempo de amarrar o real em Braga e todos devemos assumir as nossas responsabilidades nessa coerência.