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A Política tem de ser só a arte do possível?

1. A política enquanto arte do possível traduz uma ideia habitualmente atribuída a Otto von Bismarck, que pretende ilustrar e até justificar a flexibilidade dos governantes em relação a princípios e posições em dado momento consideradas inabaláveis. Como o mundo projectado é na maior parte das vezes muito distinto do mundo realmente vivido, os políticos encontrariam deste modo uma desculpa permanente para as decisões e atitudes que tomassem mesmo que distantes ou antagónicas do que tinham anunciado. A promessa feita pertenceria assim ao puro domínio do idealismo, enquanto a acção concreta corresponderia ao realismo sempre dominante. Esta ideia fez e faz caminho. Ninguém o pode negar, principalmente no domínio das relações internacionais. Bastará lembrar o que a este respeito foi dito, também no século XIX, por um ex-primeiro-ministro britânico, Lord Palmerston, quando de forma simples afirmou que a Inglaterra não tinha amigos eternos, nem inimigos perpétuos, porque tinha eternos e perpétuos interesses. Nas relações entre Estados, como aliás nas relações comerciais, não existem sentimentos, existem sim, como bem referiu Lord Palmerston, interesses sempre presentes que não estão dependentes de convicções ideológicas ou até de valores tantas vezes apregoados como fundamentais. Nós próprios podemos lembrar isso quando Portugal, em 1949, foi fundador da NATO e quando em 1960 foi igualmente fundador da EFTA, sem esquecermos o acordo de comércio livre celebrado pelo governo de Marcello Caetano e a então CEE. O Estado português não era um Estado democrático, mas isso não o impediu de fazer o que fez nem as democracias que integravam a NATO, a EFTA e a CEE deixaram de se relacionar com Portugal apesar de nele vigorar um regime autoritário. Na ânsia de reescrever a história esta questão é ainda hoje propositadamente esquecida, mas factos são factos e não podem ser ignorados.

2. Vem isto a propósito do desabafo tantas vezes ouvido sobre a inconsistência dos políticos que em momentos eleitorais se propõem fazer aquilo que não fazem uma vez eleitos. Poderemos desculpá-los à luz do que dissemos anteriormente? Francamente não me parece que o possamos fazer, ainda que devamos salvaguardar situações concretas que comprovadamente o justifiquem. Se há, por exemplo, uma pandemia que surge, e quase sempre surgem de forma imprevista, se há uma catástrofe natural ou um atentado terrorista de dimensão incalculável (recordemos o que se passou em 2001, nos E.U.A. com o ataque às Torres Gémeas), é óbvio que tudo se altera. No entanto a excepção ou as excepções, não podem nem devem ser regra. Quando um político promete o que manifestamente sabe que não poderá cumprir, esse político revela desonestidade com os eleitores e isso não é desculpável. Seja ao nível autárquico, regional ou nacional, não se pode aceitar que de forma reiterada os representantes políticos dos cidadãos traiam os compromissos eleitoralmente assumidos, contribuindo desse modo para a desilusão e descrédito em relação ao sistema e ao próprio regime. É essa conduta, também ela indiciadora de uma postura de corrupção das vontades, que corrói a credibilidade das instituições, que conduz à abstenção e que motiva uma vontade de ruptura absoluta. Só quem politicamente se instalou considera normal o não cumprimento das promessas eleitorais, a falta de transparência de muitas atitudes e a complacência com quem confunde o serviço político público com o serviço a um certo e determinado público. Para esses a política já não é a arte do possível é a arte do que desejam que seja possível. Só a consciência da inaceitabilidade de tal situação pode inverter muito do que actualmente temos e contribuir para a saudável sustentação do regime democrático.

3. Será isso possível? Penso que sim! Como? Darei a este respeito um sumário contributo nas próximas linhas. Em primeiro lugar, os partidos pelos quais se candidatam políticos incumpridores devem ser capazes de os contrariar, sem embargo de terem a coragem de lhes retirar a confiança quando a sua postura seja manifestamente contrária aos ditames da ética política. Para que tal aconteça os partidos devem ser associações de pessoas livres, descomprometidas e com a capacidade para dizerem o que pensam, o que significa não estarem financeiramente dependentes dos favores partidários.

Em segundo lugar, deveria mudar o sistema eleitoral, nomeadamente nas eleições para a Assembleia da República, permitindo candidaturas uninominais tal como sucede noutros países democráticos. A dupla responsabilização dos eleitos, perante os eleitores e os partidos pelos quais se candidataram, muito contribuiria para atenuar dependências e retirar aos directórios locais ou nacionais o monopólio da escolha de quem pode ser candidato.

Em terceiro lugar, deveria existir a possibilidade de destituição de um eleito politicamente incumpridor, possibilidade essa que deveria ser dada aos eleitores mesmo antes da eleição seguinte tal como também sucede noutros Estados. 

Como se verifica há muito que se poderá fazer para mudar um sistema que em nome da já mencionada arte do possível corrói a democracia. Restará saber se quem o pode fazer o deseja!

Manuel Monteiro

Manuel Monteiro

7 novembro 2025