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Verdes anos para decisões maduras

Num ritual democrático já consabido, amanhã os portugueses ditarão as escolhas na governação das autarquias. Mais precisamente, apenas os portugueses maiores de idade poderão votar e este é o ponto fundamental da crónica de hoje: uma breve reflexão sobre a justa idade mínima exigível para o exercício do direito de voto.

Num estudo promovido pela Fundação Manuel dos Santos, recentemente divulgado, dirigido para as causas do abstencionismo eleitoral em Portugal, são avançadas diversas propostas – na maioria, pertinentes – para amaciar o problema, como sejam o alargamento do voto em mobilidade, a difusão precoce de conteúdos de cidadania democrática nas escolas, a implementação de um círculo eleitoral nacional de compensação e ainda a adoção de um teste piloto no qual seja permitida a participação eleitoral aos jovens a partir dos dezasseis anos de idade (sendo sugeridas as eleições europeias, porque consideradas de “segunda ordem”, para testar a valia da inovação).

Visando o nosso propósito, recuemos no tempo, prezado leitor. Na sequência da Revolução Liberal desencadeada a partir da cidade do Porto (24 de agosto de 1820), será elaborada a nossa primeira Constituição (1822), a qual consagrará um sufrágio masculino quase universal para os maiores de 25 anos, incluindo também, temporariamente, os analfabetos. Com receio de que a contrarrevolução vingasse, os deputados constituintes não cederam, todavia, a capacidade aos frades, aos filhos-família que vivessem com os pais e que não servissem em cargos públicos, aos criados de servir, aos vadios, e aos que tendo então 17 anos não soubessem ler e escrever quando chegados aos 25 anos…). Casados ou oficiais militares, se maiores de 20 anos, poderiam votar, tal como todos os clérigos de ordens sacras e os bacharéis. Na Constituição prevalecente durante o período da Monarquia Constitucional (Carta de 1826) a capacidade eleitoral continuará reservada aos maiores de 25 anos, mas também condicionada pelos rendimentos do eleitor (caráter censitário). 

Já a primeira lei eleitoral republicana (6 de abril de 1911) antecipará a capacidade eleitoral geral para os 21 anos de idade, com as habituais restrições, mas permitindo o voto de algumas categorias de analfabetos, prerrogativa extinta na lei eleitoral seguinte (1913), pois, nas palavras do “guia” do Partido Republicano, Afonso Costa, assim evitava-se que se pudesse dizer que “foi com carneiros que confirmámos a República”. 

Durante todo o Estado Novo a capacidade eleitoral, também com diversos impedimentos, manter-se-á igualmente reservada para os maiores de 21 anos de idade.

Com a Revolução de 25 de Abril de 1974, na senda do então observado em diversos países europeus, a capacidade eleitoral, agora pela primeira vez verdadeiramente universal (mulheres e homens), será atribuída aos maiores de 18 anos. E é, pois, o ponto em que ainda estamos.

Nos últimos anos, também mimetizando o entretanto observado nalguns países europeus (Bélgica, Grécia…), surgiram propostas para tornar mais precoce o direito e voto em Portugal, primeiramente de partidos mais à esquerda, depois de outros quadrantes. Até agora tudo inconsequente, pois a alteração não está consagrada na lei. Curiosamente, porém, os mais jovens votam hoje mais à direita do que os mais velhos, revelam todos os inquéritos.

No estudo da Fundação Manuel dos Santos, que atrás refiro, é lembrado que os eleitores de 16 ou 17 anos “têm maior propensão para votar do que jovens um pouco mais velhos”, podendo, assim, contribuir para reforçar a imagem, a credibilidade do sistema democrático. Nada de surpreendente, entendo, pois o efeito “novidade” induzirá decerto a vontade de experienciar a condição de votante nestes 16 verdes anos, facto que já não se repetirá em eleições posteriores.

Atenta a minha condição profissional de docente, conhecendo bem os jovens de 16 anos na sua diversidade de caráter, constatando a consistente imaturidade da maioria, afigura-se-me como ousada, e de duvidoso contributo para a solidez da democracia, a ideia de se lhes conceder o direito de voto (e até onde poderão deslizar as propostas para uma futura descida da idade mínima para a condição de eleitor?...). Muitos destes jovens, ademais, talvez até desdenhem a preocupação de ter de pensar no assunto. Camões, lembramo-nos, avisou-nos que o “todo o mundo é composto de mudança”. Todavia, também sabemos que nem todas as mudanças garantem saldo positivo e, além disso, não temos de estar continuamente a mudar.

Amadeu J. C. Sousa

Amadeu J. C. Sousa

11 outubro 2025