A atribuição do estatuto de Utilidade Pública Desportiva (UPD) pelo Governo português é o instrumento mais relevante de regulação e reconhecimento institucional das federações desportivas. Este estatuto é concedido às entidades que, no âmbito do Regime Jurídico das Federações Desportivas, cumprem requisitos, tais como, possuir uma estrutura representativa a nível nacional, promover a prática regular da modalidade e adotar princípios de transparência, democracia e boa governação. A UPD confere a uma única federação no âmbito das modalidades desportivas, o direito de representar oficialmente o país em competições internacionais, organizar as provas nacionais e celebrar contratos-programa com o Governo, onde são definidas metas, objetivos e financiamento público. Este princípio garante unicidade e coerência no sistema desportivo, evitando duplicações e conflitos de legitimidade. A nível internacional, a mesma lógica aplica-se, ou seja, apenas uma federação mundial é reconhecida pelo Comité Olímpico Internacional (COI) como responsável pela gestão global de cada modalidade. Esta coerência assegura estabilidade e clareza, evitando que disputas internas prejudiquem o desenvolvimento do desporto.
Contudo, em várias modalidades, sobretudo nos desportos de combate e artes marciais, tem-se assistido a conflitos internos, disputas de poder e práticas de gestão pouco transparentes. O paradoxo é evidente, modalidades que fazem da ética, da disciplina e do respeito os seus pilares acabam, demasiadas vezes, reféns de dirigentes que desrespeitam esses mesmos valores. As consequências são previsíveis: atraso no desenvolvimento desportivo, perda de praticantes, desorganização competitiva, fracos resultados internacionais e, por fim, a revogação da UPD, com perda de reconhecimento oficial e de acesso ao financiamento público. É neste contexto que surge o caso atual do Kickboxing em Portugal. A Federação Portuguesa de Kickboxing e Muaythai (FPKMT) foi notificada por despacho ministerial no sentido do cancelamento da sua UPD, pois, não é a entidade reconhecida internacionalmente pela WAKO (World Association of Kickboxing Organizations), sendo o seu associado, em Portugal, a Federação Nacional de Kickboxing e Disciplinas Associadas (FNKDA). Esta transição deve ser realizada com rapidez, clareza e sentido de responsabilidade, evitando que a modalidade volte a cair nos impasses que, no passado, travaram o progresso de outras. Basta recordar, a título de exemplo, o problema do Taekwondo e Escalada Desportiva (modalidades olímpicas), vítimas de atraso por amiguismos e interesses inaceitáveis.
O Desporto não pode ser refém de dirigentes que colocam interesses pessoais acima do interesse público. A função de uma federação é servir o desporto e o país, não proteger cargos ou privilégios. Colocar obstáculos a processos que são legais e claros é atrasar o progresso e prejudicar atletas, treinadores e clubes. É tempo de quem esta já esta a mais agir com maturidade, sair do caminho, e colocar o interesse da modalidade acima de tudo. O Kickboxing deve seguir em frente, com estabilidade e legitimidade.