Entendo que pensadores e escritores não se fazem nos estabelecimentos de Ensino. Mas fazem-se nas esquinas das ruas, nas aldeias do interior ou nas zonas de grandes mansões habitacionais. É aí que se obtém o remédio para úlceras ou deficiências nervosas, fazendo-se bons pensadores/escritores.
Acreditando nisso e enfrentando o inferno florestal deste mês de Agosto de 2025, sentei-me um destes dias numa esplanada de café – no Alto Minho – saboreando a “bica” da tarde e lendo um jornal desportivo “da casa”, dizia.
Embora a falta de atenção – devido ao almoço na zona e regado com um óptimo “Alvarinho” – me empurrasse para as letras mais gordas do jornal, apercebia-me de tudo ao meu redor.
Numa esplanada, pode surgir gente de várias cores e idades, e nesse dia e junto de mim, sentaram-se dois cavalheiros africanos, que pediram “duas garrafas de água, sem gás e frescas”.
Assim, fui ouvindo o que diziam, sem condições para ler. Então, num português com pronúncia Moçambicana, queixava-se um de que “o negócio em Portugal lhe correu mal”.
“… foi por isso que emigrei para França. Instalei-me na cidade de Grenoble, visitei a Fortaleza da Bastilha, construída há mais de seiscentos anos, e com a Revolução Francesa foi ocupada pelos revolucionários. Ambientei-me aí – continuava o africano a desembrulhar sabedoria – com outros colegas e comecei a trabalhar com o nome de professor Teófilo, “na nossa especialidade”.
“Anunciei-me – continuou – em restaurantes, lojas e caixas do correio. Ofereci felicidade, o regresso de amantes perdidos, receitas contra inveja, maus-olhados, impotência sexual, curandeirismos, resolução de problemas sem falhas e, até ofereci aos de meia-idade e velhos, a possibilidade de regressarem aos trinta anos de idade. Anunciei-me sacerdote – continuava o desgraçado – exorcista e médium, mesmo que ao domicílio”.
O seu companheiro, sorrindo e esfregando o nariz, continuou a ouvir:
“Atendi toxicodependentes, bêbedos, pessoas traídas, comerciantes, políticos locais etc. A quantos ouvi, concluí que não passavam de imbecis, falhados e neurasténicos. Verifiquei casos que me pareciam problemas fisiológicos; outros com sintomas de loucura crónica e outros, nervosos da cabeça aos pés. Mas a maioria sofria de ciúmes, dor da cotovelite e inveja esquizofrenizada”.
“Os neurasténicos eram fáceis de domar, pois era só dizer “amém” com eles; aos falhados, mandava-os colocar velas nas igrejas, uma vez que os falhados são uns envenedadores que se envenenam; os imbecis, eram mais difíceis de atender: a maioria deles tinham cara de néscios, desconfiados, distraídos, – que eram os políticos; outros, eram da literatura: que escreviam, que ensinavam, que davam conselhos e que orientavam os pasmados.
“É evidente – continuou o impostor – que entre os que me procuravam, repugnavam-me sobretudo os da imbecilidade. Mas que culpa têm de o ser? Que culpa têm eles da sua frigidez e das suas almas levitarem no vento? E quem pode curar um imbecil? Como explicar-lhes a bondade? Como actuar junto deles? Mas eu tinha de viver”!
Bem, Luís – interrompeu o outro – vieste embora e agora estás no Minho. E que te parece o Minho, para exerceres a profissão?
“-Bom, uma vez cá, há que explorar a zona. Repara que nestes meses de Julho e Agosto veem emigrantes de França, Suíça e Alemanha. Muitos, normalmente recorrem aos astrólogos e bruxos, para resolverem maluquices que fabricam lá fora. Sendo assim, e como esta gente paga bem e cumpre com o que se lhes indica, há que trabalhar, uma vez que a imbecilidade jamais acabará.
Sentado, eu continuava na esplanada, mexendo o corpo para várias posições, ferrando os maxilares, coçando assiduamente as omoplatas, aclarando a voz por nervosismo e revolta, por me encontrar junto de vampiros de imbecis, de falhados e outros, onde o rasteiríssimo humano destes exploradores é capaz de beber o sangue e trincar os ossos de quem neles confia, e pedi licença para falar - com a força da minha presença nas esquinas das ruas, e no capim que me serviu de colchão - dizendo ao vidente e médium:
-Tu és o Luís. Já foste “Luixi”. Fizeste a terceira classe. Foste ajudante de cozinheiro das tropas portuguesas em Moçambique. Fugiste para Joanesburgo às tropas do Samora Machel, após o 25 de Abril de 1974 e conseguiste vir para Portugal!
“– Como sabe isso? – Perguntou. – “Vidente é o senhor! Acertou! Ou conhece-me”?
- Nada pagas pelas afirmações que fiz – disse-lhe. - Pelo que vejo és um recipiente de imundice. Vomito o que fazes! E a partir de hoje, raspa dos teus aporcalhados miolos a recordação do Sargento Braga, do quartel de Marrupa e que já não vias há mais de cinquenta anos.
Paguei a “bica” então tomada. Ao deixar os dois vizinhos de esplanada, verifiquei que, em silêncio, olhavam o infinito ou estavam estupefactos.