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Miserabilismo

Parece que os portugueses se vão curando do mal atávico do desgraçadinho. É o eterno miserabilismo nacional. Vem das profundezas de uma educação que estendeu as suas sementes da resignação até ao inevitável da existência, como povo. Sementes que frutificaram até à larga fronde. Com a escolha de alguns portugueses para lugares de destaque nas instâncias europeias, principalmente com António Guterres na ONU e Mário Centeno à frente das finanças da UE, com a classificação do País como o melhor do mundo em destino turístico, parece que chegou a hora de nos convencermos que somos iguais aos outros povos da Europa e do mundo. Derrubemos o miserabilismo. É tudo uma questão de nos lembrar que fomos um povo que descobriu meio mundo, temos prémios Nobel em medicina e literatura, fomos campeões do mundo em várias modalidades, hóquei em patins, maratona, ciclismo, atletismo de pista e estrada, na pintura, na escultura, na música, etc. etc. Na política internacional fomos e estamos a ser chamados para desempenhar altos cargos. Isto não é uma onda de afirmação emergente, é a confirmação de que somos tão bons como os melhores, desde sempre. Pergunta-se: se eles são tão bons como os melhores por que razão têm de se afirmar lá fora para serem considerados cá dentro? E a resposta viria, se a ouvíssemos e lhe déssemos credibilidade da velha sentença que diz, santos da porta não fazem milagres. Mas isto é um aforismo e nada mais do que isso. O que esta afirmação diz e representa é que temos mais valor do que a alma que temos. E este défice entre valor e alma deve-se a uma certa ideia de que quem é pequeno territorialmente, é também pequeno em capacidade de ser. Este conformismo é anestesiante. Não podemos aceitar ficarmos nesta morbidez. Se somos tão bons lá fora há que sê-lo também cá dentro. Custa-me imenso ouvir dizer que os médicos recém-especializados procuram ir para o estrangeiro por falta de oportunidade cá dentro. Quanto aos enfermeiros a mesma coisa. Pobre país que obriga a emigrar o melhor da sua geração! A emigração pobre fez-se por questões de falta de qualificações; a emigração de quadros faz-se por excesso de qualificação. Se a emigração da mala de cartão envergonhou a imagem de Portugal, a emigração doutora não nos envergonha menos. Porque dá uma imagem de que Portugal é um país inteligente de que os espertos se aproveitam para tirar o lucro. E qual é a justificação? O país é pequeno para tantas inteligências? Então se não os podemos reter na nossa indústria, na investigação, nas diversas áreas do saber, digamos de uma vez por todas que somos prestadores de serviços a nível de formação superior, para exportação. Somos bons como os outros, é verdade, é verdade demonstrada mas não nos podemos ficar por aqui porque isto é meio caminho. Temos de saber virar, em proveito nacional, estas inteligências; temos que dizer aos investidores, temos esta mão de obra de excelência. Se quiserem os nossos talentos, invistam cá. Olhem para a Gulbenkian e sigam o mesmo exemplo. Acordem, senhores estadistas, os estrangeiros estão a sugar-nos o melhor sangue porque os portugueses são tão bons como os melhores. Encolhendo os ombros como coisa inevitável estamos na presença do miserabilismo. No seu expoente máximo.
Autor: Paulo Fafe
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18 dezembro 2017