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Advento – “eu Te amei”

O magistério da Igreja, nas pessoas do Papa Francisco e do Papa Leão XIV, ofereceu-nos uma Carta Encíclica sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus (Dilexit nos) e uma Exortação Apostólica sobre o amor para com os pobres (Dilexit te). Podemos afirmar que estes dois documentos têm por autor o Papa Francisco, que não teve tempo para completar o seu pensamento com a Exortação Apostólica. O Papa Leão XIV apenas lhe deu o seu cunho pessoal. Daí que uma não se possa entender sem a outra: são complementares e devem ser lidas e meditadas em simultâneo.

O tempo do Advento, assim como o do Natal, é uma ótima oportunidade para uma leitura meditada e, particularmente, para um confronto com a vida. As duas leituras dariam um sentido diferente a estes momentos especiais da caminhada litúrgica.

O Papa Francisco, querendo apresentar, ao longo da história, a grande realidade do amor do Coração de Jesus, parte de uma afirmação usada por São Paulo: “Amou-nos” (Rom 8,37). Trata-se do núcleo central do cristianismo, que nem sempre foi convenientemente interpretado. Hoje, cada um deve assumir, como princípio dinamizador da sua vida, a certeza de poder afirmar-se como um “amado” por Deus, em contraposição à imagem de um Deus castigador. Deus é, pura e simplesmente, Amor, e a todos ama imensamente, sem escolher ou desprezar ninguém.

Desta certeza emerge a originalidade da vida cristã. Do amor experimentado não deveria brotar, na vida do cristão, outra coisa que não fosse amor. O Papa é categórico e não permite muitas interpretações quando escreve que urge “prolongar o seu amor nos irmãos”. Não basta refugiar-se numa intimidade devocionista. O amor deve permear os diversos contextos da vida humana onde ela vai acontecendo. O mundo, com os seus enigmas e interrogações, é o espaço onde “pagar” o amor primeiro, na universalidade de pessoas e contextos, através de um amor concreto que procura ter a medida do “como” Cristo nos amou. Acolher o amor de Deus exige que, hoje, sejamos visibilidade da Sua presença, perante os inúmeros condicionalismos da vida humana.

Este amor concreto de Deus, que me leva a dizer “sou um amado”, é recordado pelo Papa Leão, talvez servindo-se de uma escolha do Papa Francisco, ao usar um texto do Apocalipse dirigido à pequena e insignificante comunidade de Filadélfia: “Eu te amei”. Com esta nova Exortação, o Papa dirige-se, particularmente, ao cuidado que se deve ter pelos pobres. “Contemplar o amor de Cristo ajuda-nos a prestar mais atenção ao sofrimento e às necessidades dos outros e torna-nos suficientemente fortes para participar na sua obra de libertação como instrumentos de difusão do seu amor” (2). Há muita pobreza, material e espiritual, e a humanidade deve tornar-se mais igual e marcada por uma dignidade que não exclui, marginaliza ou “descarta” ninguém. Todos são filhos do mesmo Pai.

O tempo do Advento e do Natal é momento favorável para refletir sobre esta responsabilidade dos cristãos e das comunidades. Quero, porém, aplicar esta doutrina ao ambiente familiar, ao concreto da vida dos nossos lares. Aí, devo sentir-me “amado” por Deus, prolongar e tornar visível o amor infinito de Deus Pai. Sabemos que é fácil falar de família; viver como família é muito mais exigente, mas necessário. Dentro das nossas casas, o cenário é, muitas vezes, de indiferença ou até de uma certa dramaticidade. Cuidar do amor em casa deveria ser o primeiro dever de cada cristão. É em casa que se encontra um verdadeiro ginásio para treinar atitudes e comportamentos que, depois, se estendem a todos os nossos contextos existenciais. Não basta uma mesa para comer ou uma cama para dormir. Infelizmente, muitos contentam-se com o mínimo e convivem, friamente, debaixo das mesmas telhas.

Para não me alongar muito, manifesto, neste momento em que a comunicação social é pródiga em relatos, a minha preocupação com a realidade da violência doméstica, com a sua expressão mais evidente na violência contra as mulheres. Muitos pretendem legislação apropriada e processos que condenem os culpados. Neste, como em tantos outros campos, afirmo que, se não trabalharmos a montante, o problema continuará a existir. Semeamos incoerências de vida, propagandeamos projetos meramente humanos. Depois, o amor não é amado e a força da violência aparece como a única solução, a propósito de coisas que nos deveriam envergonhar.

Termino com uma referência ao programa proposto pela nossa Arquidiocese: Advento, “Jardim de Esperança — O Sim Criativo”. A esperança de famílias sem violência e sem outros problemas pode e deve acontecer. Basta que cada um, criativa e diariamente, vá colocando no jardim familiar sementes de doação, de aceitação mútua, respeito sagrado e alegria de servir. E a festa, mesmo com problemas e dificuldades, não deixará de existir.

Poderemos aceitar este desafio para tornar o Advento e o Natal diferentes e geradores de felicidade quotidiana nas famílias?

D. Jorge Ortiga

D. Jorge Ortiga

6 dezembro 2025