twitter

Uns minutos sem sinal televisivo.

 

 

Um destes últimos dias fiquei sem sinal televisivo e dei-me fé de que o ruído de fundo gerado pela televisão não me servia senão de companhia distante, imaginem até, para coordenar ideias e pensamentos para estes e ouros textos. Aquele barulho de fundo sem sentido de o perceber, dava-me a ilusão de que não estava só e garantia-me que a vida estuava lá fora com a força de uma coisa viva. Pensamentos como estes eram a minha companhia e julgava que chegavam para aquietar a solidão. Mas, não era verdade, a televisão, mesmo sem a ela estar atento, fazia-me falta, fazia-me companhia como o gato ou o cão. Muitas vezes, bastantes vezes, não sei o que a televisão está a focar, mas a verdade verdadinha é que aqueles sons difusos fazem-me falta como se fossem pipilar de passarinhos que, sem os compreender, oiço-os com agrado. Tinha na mesinha de apoio um livro que tinha começado a reler, assim como muleta que apoia o manquejar de uma mobilidade tropeçante, ia-me ajudar a não estar só. Tinha a marca na página onde tinha interrompido a última leitura. Peguei nele, abri-o e retomei a leitura. Tive que voltar ao prólogo para me entrosar no contexto e, predispunha-me a seguir a leitura, quando o sinal voltou. Fechei o livro e fiquei a ouvir o ruído da televisão como companheira de minha vida. Só então percebi a razão, ou mesmo a relutância, da pouca vontade de ler. Quantas páginas seriam precisas ler para descrever a cena que estava a ver na televisão? Olhei para o livro abandonado e pedi-lhe desculpa pela maneira leviana como o havia descartado. Mas , há sempre um mas para a desculpa, e descarreguei nesta a circunstância do livro ter mais de seiscentas páginas, uma carrada de nomes estrangeiros que eram as personagens do teor e uns relatos muito circunstanciados como se houvesse alguém que não soubesse consultar o menu do restaurante, com tantos pormenores indispensáveis que dão para perguntar: para quê tantas minudências? De livro no regaço, como intervalo para o voltar a poisar sem o ler, pensei se isto não seria apenas uma desculpa por não ter a humildade de ler o calhamaço, ou se haveria alguma desculpa esfarrapada nesta minha reação. E se fosse apenas e só preguiça mental para me furtar à leitura quando a alternativa estava na televisão? Pensei e julguei: as duas coisas existiam em mim. Eu que ainda sou um leitor compulsivo estou a perder o vício da leitura pela indolência da televisão que me dá tudo sem precisar de imaginar as personagens ou locais da ação. Nem sempre a televisão é uma escola aberta, mas, digamos a verdade: há livros que também não ensinam nada e não fomentam a paciência de quem os lê. Sejamos sérios: há romances que podem ser novelas e novelas que podem ser contos. É tudo uma questão de alongar o texto como fazer mais pastéis com a mesma massa. E lá está a televisão a mostrar-me a vida no Alasca. Acabou a leitura.

Paulo Fafe

Paulo Fafe

10 novembro 2025