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Homem de fé, teólogo e diplomata

 

Ocorre, hoje, 10 de novembro, a Memória Litúrgica de S. Leão Magno (“o Grande”1), também conhecido como S. Leão I. Foi uma figura tão marcante da história da Igreja que João Cassiano2, no prólogo da obra sobre a encarnação do Senhor, composta no ano 440, a pedido do próprio Papa Leão, lhe chama “ornamento da Igreja romana e do divino ministério”.

Nasceu por volta do ano 3903, na Toscana (Itália), de uma família aristocrática4. Por volta do ano 430, tornou-se diácono da Igreja de Roma, ao tempo do Papa Celestino I5. Dez anos depois, foi enviado pela imperatriz Placídia6 para pacificar a Gália, disputada pelo general Aécio e pelo prefeito pretoriano Albino.

Quando o Papa Sisto III morreu (11 de agosto de 440), Leão, seu conselheiro, foi unanimemente eleito pelo povo, vindo a assumir o pontificado em 29 de setembro de 440. Eram grandes, à época, as perturbações e revoltas: no interior da Igreja, havia fortes divisões teológicas, no que concerne à natureza de Cristo, com o monofisismo7 a impor-se no Oriente; no exterior, o problema maior era o declínio do Império Romano do Ocidente e as invasões bárbaras que ameaçavam Roma. Num tempo assim, Leão foi a pessoa certa para o lugar certo: “era firme e inexpugnável na fé, destro teólogo e hábil diplomata”8.

No capítulo da defesa da fé e da doutrina cristológica, é célebre a sua Carta a Flaviano, bispo de Constantinopla9, em que afirma a doutrina de que Cristo é uma só pessoa, em duas naturezas: divina e humana. Esta formulação foi decisiva para o Concílio de Calcedónia10 (451), que nela se escudou para afirmar, em Cristo, a união hipostática de duas naturezas, unidas numa única pessoa, “sem confusão nem divisão”. Lida publicamente aos 350 Padres conciliares, a referida Carta foi aclamada com a afirmação: “Pedro falou pela boca de Leão, que ensinou segundo a piedade e a verdade”11. Por esta razão, o Papa Bento XIV, em 1754, proclamou Leão Magno Doutor da Igreja.

Com a mesma decisão com que aprovou os decretos dogmáticos do concílio de Calcedónia, também rejeitou o seu cânon 28 que pretendia elevar a Igreja de Constantinopla acima de todas as outras. E reforçou ainda a primazia do Bispo de Roma como sucessor de Pedro, conferindo ao papado uma autoridade espiritual e moral, mais do que administrativa.

No capítulo da defesa da Cidade Eterna, o Papa Leão encontrou-se pessoalmente com Átila, o Huno, em 452, nas imediações de Mântua, quando se preparava para avançar sobre Roma. Reza a tradição que o líder dos hunos se retirou após ter visto aparecer, atrás de Leão, os Apóstolos Pedro e Paulo, armados de espadas. O mais certo é que esta tradição seja algo lendária, mas Rafael imortalizou-a nos afrescos das “Salas do Vaticano”.

Três anos mais tarde, em 455, Leão I tentou dissuadir Genserico, rei dos Vândalos da África, de atacar Roma. Não teve muito sucesso, mas conseguiu, pelo menos, poupar vidas e manter intactas as Basílicas de S. Pedro, de S. Paulo fora de Muros e de S. João de Laterão, nas quais a população encontrou abrigo e se salvou.

Os seus sermões (são 96, pregados nas festas do Senhor e dos Santos) e cartas (são 143, sobre questões doutrinais ou litúrgicas) são verdadeiras obras-primas da literatura cristã latina, pela sua clareza e força espiritual. Além disso, revelam um teólogo profundo e um orador notável.

Leão Magno faleceu a 10 de novembro de 461, razão pela qual se celebra neste dia a sua memória litúrgica. Segundo alguns historiadores, foi o primeiro Papa a ser sepultado na Basílica Vaticana. As suas relíquias são conservadas, ainda hoje, no altar que lhe é dedicado, na Basílica de S. Pedro.

Foi tão notável a sua pessoa e ação, nos mais diversos domínios, que o tempo não apagou a sua memória, razão pela qual continuamos a celebrá-lo.


 

1Esta designação, partilhada por muito poucos papas, advém-lhe da sua firmeza doutrinal e sabedoria diplomática.

2João Cassiano nasceu na região da Escítia Menor (atual Roménia ou Bulgária) pelo ano 360 e terá falecido pelo ano 435 d. C. Ainda jovem, viajou para a Terra Santa e passou muitos anos no Egito, entre os monges do deserto. Mais tarde, mudou-se para o Ocidente, passando por Constantinopla, onde teve contacto com S. João Crisóstomo, de quem foi discípulo e admirador. Após ser ordenado diácono por Crisóstomo, partiu para Marselha, onde fundou um mosteiro masculino e outro feminino. 

3Fontes há que falam do ano 400.

4Estes dados constam do Liber Pontificalis (do latim, Livro dos Pontífices), um livro de biografias de papas, escrito em épocas sucessivas, desde S. Pedro até ao Papa Eugénio IV (1431-1447).

5Celestino I foi Papa entre 422 e 432.

6Élia Gala Placídia (Ravena, 392 – Roma, 450) foi uma imperatriz-consorte romano do Ocidente, filha do imperador Teodósio e esposa do imperador Constâncio III.

7Heresia que tinha como expoente máximo Eutiques que consistia na negação da essência humana do Filho de Deus. 

8José Leite (org.), Santos de cada dia, vol. III (Braga: Apostolado da Oração, 1987), p. 294.

9Conhecida habitualmente como “tomo de Leão”.

10Calcedónia corresponde à atual Kadiköy, na Turquia.

11A outra versão é: “Roma falou por meio de Leão, a causa está decidida (causa finita est)”.

Pe. João Alberto Sousa Correia

Pe. João Alberto Sousa Correia

10 novembro 2025