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“O cego que não quis ver”

 

 

Há um ditado antigo que diz: “cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso”. O que, transposto para a realidade atual, me leva a pensar que quem vier residir em Portugal deve respeitar o modus vivendi local. Caso contrário, a inclusão arrisca-se a não ser perfeita. Vem isto a propósito do uso da chamada burca, pelas mulheres muçulmanas, em terra lusitana. Havendo, no debate democrático, quem não veja nela mal algum – evocando o direito à liberdade religiosa – e há, também, quem a ache um fator de perigo entre nós.

Por isso, resolvi escolher o título em epígrafe baseado no facto de algumas pessoas se recusarem a enxergar, com nitidez, o que têm à sua frente. Cá por mim, interrogo-me: “será que as donas das burcas as usam por obrigação, opção ou devoção?”. Pessoalmente, inclino-me para a hipótese de se verem rejeitadas não só pela sociedade a que pertencem, como pelos seus pares masculinos, se não cobrirem a cabeça, a boca e os olhos. Ficando, quiçá, sujeitas a se sentirem mal-amadas, caso reneguem as suas origens.

Ora, conta-se que em França, no ano de 1647, na Universidade de Nimes, o dr. Vicent de Paul D’Argenrt foi considerado um notável pioneiro da medicina oftalmológica daquela época. Dado ter sido responsável pelo êxito do primeiro transplante da córnea levado a cabo num aldeão, chamado Angel, restituindo-lhe a visão. 

Só que o paciente intervencionado não ficou nada satisfeito com a nova realidade, ao ponto de ficar transtornado com o mundo que via, dado ter imaginado que as coisas seriam bastante melhores. Vai daí, pediu ao cirurgião que lhe devolvesse a cegueira. O caso foi parar ao tribunal de Paris, tendo Angel não só ganho a causa, como entrado para a história como “o cego que não quis ver”. 

Acontece que eu não sei o que sentem as pessoas do sexo feminino que usam a indumentária em questão, nem imagino o que vai nas mentes delas ao cruzarem-se com algumas congéneres suas semidespidas e de rosto ao léu, provenientes dos países onde há liberdade e democracia. Nem sei se ficam algo perturbadas por não poderem largar as vestes e fazerem igual. No entanto, parece-me que preferem nem olhar ou, simplesmente, ignorar.

Devo dizer que visitei, por mais de uma vez, um país árabe, cuja religião oficial é o Islão. Onde vi tanto na rua, como na praia, mulheres a usarem o chador, niqab, hijab ou a burca sob um calor infernal; a entrarem nas ondas do mar vestidas, no meio das outras (de maiô ou bikini) e a secarem-se na areia, ao sol, com as roupas encharcadas de água salgada. Enquanto os maridos faziam tudo isso em shorts e tronco nu, numa atitude de supremacia machista, quando deviam ter direitos iguais. Só não consegui aferir, com seriedade, se ali havia opção delas ou o dedo deles.

O legislador daquele país até podia, em defesa dos costumes e tradições, decretar a regra do uso de trajes similares para as turistas estrangeiras que por lá vagueiam. Só que não o faz porque sabe que o país perde uma das suas maiores fontes de receita: o turismo. Se assim fosse, teria as suas belas estâncias balneares e os aeroportos às moscas. O que seria uma autêntica machadada na respetiva economia. 

Esta tolerância, por conveniência, também é cultivada em outras paragens de religião baseadas no “alcorão” e na “lei da sharia”, não a aplicando a quem lá aporta. Nada comparado com o que se passa em Portugal, um pequeno país que, nos últimos anos, recebeu cerca de 1,6 milhões de imigrantes, de entre os quais muitos muçulmanos que não andam em passeio.

Pelo que tenho observado, a prática de ocultar o rosto é apanágio de quem pretende praticar atos de terror. Aliás, só não vê quem não quer as caras semitapadas do Hamas e de outros grupos islâmicos armados da mesma índole. O que torna, deveras, impossível a sua identificação. Motivo pelo qual alguns portugueses temam que a burca, por cá, pudesse vir a servir para fins pouco ortodoxos. Daí, ter sido votada, em sede parlamentar, a sua proibição.



 

 

Narciso Mendes

Narciso Mendes

10 novembro 2025