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Quando a magia se perde fora de casa

A Taça de Portugal é, por tradição, a competição mais democrática do futebol nacional. É nela que clubes de diferentes escalões se encontram em igualdade de circunstâncias, pelo menos no plano formal, proporcionando histórias de superação, surpresas e momentos que alimentam a mística do futebol português. O sorteio desta semana voltou a reforçar essa expectativa, com várias equipas da Primeira Liga a terem de medir forças com adversários de divisões inferiores.

No entanto, um problema recorrente voltou a emergir: a impossibilidade de muitos desses clubes jogarem nos seus próprios recintos, em regra por estes não cumprirem os regulamentos ou licenciamentos para a referida competição. Essa realidade obriga-os a pedir “emprestada” a casa a outros clubes, perdendo o fator mais precioso que tinham: jogar perante o seu público, no seu campo, no ambiente que lhes é familiar e que representa, tantas vezes, o verdadeiro espírito da Taça. A consequência é clara: a competição perde parte da sua beleza e, em simultâneo, reforça ainda mais a vantagem das equipas da Primeira os Segunda Liga, que, em teoria, já partem com maiores recursos e qualidade desportiva. Por outro lado, importa questionar, ou pelo menos recorder, que esses mesmos clubes jogam toda a época nos seus estádios, devidamente autorizados, o que torna esta exigência adicional da Taça um paradox, pelo menos para alguns, difícil de compreender, embora alguns clubes se ponham a jeito por questões economicas.

Mas quantas vezes não assistimos a estas situações? Clubes modestos, que conquistam com esforço o direito de receber um clube dito “grande”, veem-se forçados a abdicar desse prémio simbólico e prático, transportando o jogo para estádios que, embora mais modernos ou regulamentares, retiram a alma e a identidade ao espetáculo. É como se o futebol fosse deslocado da sua essência para caber nos moldes de uma indústria que valoriza mais a transmissão televisiva, a logística e o conforto do que a autenticidade dos valores da modalidade. Há que questionar, de vez em quando, o que se ganha com estes argumentos e regulamentações. Em todos os momentos deveríamos refletir sobre o que estamos a fazer acontecer, olhar para as boas experiências do passado e aprender com países mais evoluídos que, em áreas sensíveis como a Educação, já estão a rever práticas recentes e até a recuperar métodos tradicionais, como o uso do lápis e do papel na escola em deterimento de teclados e ecrãs.

É certo que a segurança dos adeptos e as condições mínimas para os jogadores são essenciais. Mas não deveríamos também repensar a forma como os regulamentos podem ser mais flexíveis, salvaguardando o espírito desta competição? O futebol de qualidade, quando regressa aos campos mais pequenos e às comunidades locais, é visto com entusiasmo, porque nesse contexto o jogo é mais puro e real. A proximidade entre jogadores e adeptos, o ambiente genuíno e a emoção crua da competição são, afinal, aquilo que distingue, ou deveria distinguir, a Taça de Portugal de qualquer outra prova.

Hoje, contudo, a economia (o dinheiro!), o espetáculo televisivo e a exigência de infraestruturas pesam mais do que a nobreza dos valores que sempre caracterizaram o futebol. E, enquanto assim for, continuaremos a perder parte da essência desta competição, que deveria ser, acima de tudo, um palco onde os sonhos dos mais pequenos se tornam possíveis, em igualdade e com justiça.

Fernando Parente

Fernando Parente

26 setembro 2025