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Política de Coesão quer aperfeiçoar-se para continuar a ser esperança em ação

Política de Coesão quer aperfeiçoar-se para continuar a ser esperança em ação
Fotografia DR

Luísa Teresa Ribeiro

Chefe de Redação

Publicado em 28 de abril de 2024, às 17:33

Futuro perspetivado em Bruxelas, no 9.º Fórum da Coesão.

Com provas dadas na redução das assimetrias e na alavancagem do desenvolvimento no seio da União Europeia, a Política de Coesão quer adaptar-se para continuar a responder aos inúmeros desafios que se colocam ao projeto comunitário.

 

Continuar a ser «esperança transformada em ação» foi a meta que a comissária europeia Elisa Ferreira apontou para a Política de Coesão. A responsável pela pasta da Coesão e Reformas referiu que esta política funciona, tem capacidade de adaptação e é crucial para cimentar a construção do projeto europeu. 

A comissária portuguesa falava no 9.º Fórum da Coesão, que reuniu em Bruxelas, nos dias 11 e 12 de abril, cerca de mil participantes, para refletirem sobre o futuro da Política de Coesão. O encontro teve como pano de fundo a publicação do 9.º Relatório sobre a Coesão Económica, Social e Territorial e do relatório do Grupo de Especialistas de Alto Nível sobre o Futuro da Política de Coesão.

Elisa Ferreira considerou que a Política de Coesão «é fundamental» para a União Europeia (UE) porque este é «um projeto de esperança». «A UE foi fundada com base no princípio fundamental, mais importante do que nunca, de que as nações devem unir-se, não pela força, mas pela sua própria vontade. O que acontece a um país ou a uma região diz respeito a todos», afirmou.

Como esta integração tem impactos assimétricos nos territórios, é preciso haver uma política que assegure o «desenvolvimento coeso e equilibrado da UE». «Não podemos, enquanto responsáveis políticos e decisores, depender das forças do mercado para assegurar uma distribuição justa e automática dos benefícios deste enorme mercado, com todos os movimentos livres», disse, argumentando que este mercado «não cria, naturalmente, pelo menos no médio prazo, qualquer tipo de equilíbrio natural».

«Por isso, precisamos de uma política pública. Precisamos de uma política de desenvolvimento regional. Precisamos de um estímulo que ajude as regiões mais fracas a enfrentarem este enorme desafio de usarem os seus ativos e as suas capacidades num mercado aberto e muito competitivo, para que os cidadãos de cada país, região ou cidade possam sentir os benefícios da integração europeia», declarou.

 

Política de Coesão funciona

A comissária europeia afirmou que a Política de Coesão «funciona» e tem mostrado a sua capacidade de adaptação perante os novos desafios. 

Elisa Ferreira referiu que, nos 20 anos do maior alargamento da UE, o 9.º Relatório sobre a Coesão Económica, Social e Territorial, mostra que, em duas décadas, o PIB médio per capita desses dez Estados-Membros aumentou de 52% para quase 80% da média europeia. 

Enfatizou que se verificou «uma redução substancial» do número de cidadãos europeus que vivem em países menos desenvolvidos, ou seja, países com um PIB per capita inferior a 75% da média da UE: de 25% da população da UE em 2000 para pouco mais de 5% em 2023.

Referiu que o 9.º Relatório de Coesão estima que, devido a esta política, sejam criados 1,3 milhões de empregos entre 2014 e 2027, aumentando o PIB da UE em 1% em 2030. Os dados indicam que, «a longo prazo, cada euro investido através da Política de Coesão deverá ser multiplicado por três até 2043, o que equivale a uma taxa de rendibilidade anual de cerca de 4%». 

O documento sublinha que durante as crises recentes, a Política de Coesão foi «a maior fonte de estabilidade em diferentes regiões e países». «A Política de Coesão representa 13% do investimento público total na UE, mas para alguns Estados-Membros pode atingir 51% ou ainda mais», recordou.

Lembrou que as regiões menos desenvolvidas demoraram 11 anos a recuperar da crise financeira de 2008, seguida pela crise da dívida soberana. Em contraste, após o choque económico da Covid-19, que teve um impacto ainda maior em termos do PIB, todas as regiões – pobres, intermédias e mais desenvolvidas – recuperaram em dois anos. «Esta é a prova de que funcionou termos usado o financiamento da Coesão», sendo que «mais de 23 mil milhões de euros foram reprogramados pelos Estados-Membros para fazer face ao impacto da Covid», explicou.

 

Assimetrias exigem atenção

Depois de exemplificar que a Política de Coesão funciona, sustentou que é possível melhorar os instrumentos destinados a reduzir as disparidades na UE, num contexto marcado por significativos desafios climáticos, tecnológicos, demográficos e geopolíticos.

«Podemos constatar que ainda existem muitos desequilíbrios, muitas regiões com enormes problemas de desenvolvimento», referiu, acrescentando que também há países e regiões a crescer rapidamente, mas com assimetrias internas.

Em seu entender, alguns dos desequilíbrios internos «resultam de estratégias de desenvolvimento territorial desadequadas», por isso é «importante começar a questionar os Governos» como encaram o crescimento harmonioso dentro dos seus países.

«Temos de aprender a combinar melhor os diferentes pontos fortes das grandes cidades, das cidades de média e de pequena dimensão e das áreas rurais. Caso contrário, criaremos impactos indesejados por toda a Europa e dentro dos Estados-Membros», alertou, asseverando que «todos estes diferentes centros urbanos têm o seu lugar e o seu papel a desempenhar».

Advertiu que há regiões estagnadas, algumas há 20 anos, o que acarreta consequências económicas, sociais, culturais e políticas nefastas. Quando as regiões estagnam durante um longo período, há gradualmente redução de oportunidades, piores perspetivas de vida e abandono do território. Estas regiões ficam presas na armadilha da fuga de cérebros, isto é, da saída dos recursos mais qualificados para outros locais. 

Na sua opinião, deve haver «diferentes receitas para os diferentes problemas» destas regiões, uma vez que estas zonas podem cair «no veneno do descontentamento político». «O antídoto é claro: temos de trabalhar com as regiões e com as cidades para ajudá-las a escapar destas armadilhas e a construir a base para um futuro de sucesso», apontou, dizendo que esta receita «requer apoio». «Mais do que dinheiro, exige o envolvimento com parceiros locais capacitados para aproveitarem os pontos fortes e as oportunidades locais», especificou, sublinhando que o apoio europeu «deve ser adaptado às realidades regionais e locais».

 

Evoluir sem perder a identidade

Após ter traçado o diagnóstico do panorama europeu, a comissária considerou que «a Política de Coesão «funciona» e precisa de ser «mantida», «reforçada», porque a UE tem à sua frente «muitos desafios novos», designadamente a competitividade europeia, a resiliência para fazer face a novas crises, a transição energética, o envelhecimento e o alargamento a novos Estados-Membros. 

Elisa Ferreira defendeu que é necessário chamar a atenção para o impacto da Política de Coesão, uma vez que é aquela que «toca mais de perto as pessoas», desde as infraestruturas até à ajuda em situações de crise, como a pandemia de Covid-19 ou a invasão da Ucrânia pela Rússia. «É preciso ter em mente o custo da ausência de coesão e que descontentamento teríamos na Europa se a Política de Coesão não existisse», disse.

Em seu entender, é preciso adaptar a Política de Coesão para a tornar mais «eficiente e eficaz», mas mantendo os aspetos centrais que fazem com que funcione. «Uma política por reformar é um risco para a convergência europeia, mas uma reforma que não respeite o ADN, a identidade, da coesão é um risco para a unidade da Europa», declarou. Esta política é «um cimento», por isso é importante que não se parta quando o alargamento e o aprofundamento da UE acontecerem.

Nesta linha, apontou a necessidade de «novos métodos e de novos instrumentos de financiamento». Considerou que é necessário implementar processos mais simples e centrados nas reformas, sendo possível aprender com o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, para definir alvos, estipular metas e reduzir a burocracia. Contudo, advertiu que os métodos devem ser adaptados às necessidades específicas e à identidade da Política de Coesão, em particular à sua abordagem de base local e à sua perspetiva de desenvolvimento a longo prazo.

A responsável europeia enfatizou que é preciso manter o espírito de parceria que carateriza esta política, trabalhando com os países, as regiões e as entidades locais a melhorarem a sua capacidade de prestação de serviços e a identificarem necessidades e áreas de bloqueio.

Na sua opinião, «o objetivo da coesão não pode ser apenas uma tarefa da Política de Coesão». «Precisamos que os Estados-Membros atribuam à coesão uma prioridade muito elevada quando definem as suas estratégias de desenvolvimento. Mas também precisamos que outras políticas – inovação, investigação e desenvolvimento, educação, infraestruturas – tenham em conta o impacto territorial do que é decidido», argumentou. Da mesma forma, salientou o contributo que a Política de Coesão está a dar para os objetivos da UE, sendo este o maior investidor público na transição verde e clima. 

«A Política de Coesão continua a ser uma condição prévia para uma UE duradoura e próspera. A nossa tarefa é transformá-la em ação», resumiu.

Recorde-se que o orçamento da Política de Coesão para 2021-2027 ascende a 392 mil milhões de euros, enquanto entre 2014-2020 o valor foi de 352 mil milhões. No quadro atual, estão programados mais de 100 mil milhões de euros destinados à transição ecológica, 45 mil milhões à educação e à formação e 40 mil milhões à digitalização. 

 

Habitação nas preocupações europeias

O comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, considera que a Europa tem de desempenhar um papel ativo para combater a crise de habitação, embora este seja um problema cuja responsabilidade é sobretudo das autoridades dos Estados-Membros.

«Estamos a enfrentar uma crise da habitação na Europa. Nas cidades, nas regiões, por toda a Europa, há milhões de pessoas que estão a ter dificuldades em encontrar habitação acessível para viver. Acho que esta questão tem de ser abordada. Sei que isto é um assunto sobretudo da competência nacional, local e regional, mas a Europa tem de desempenhar a sua parte», disse o luxemburguês.

Segundo este responsável, «há uma forte solicitação por parte dos parceiros sociais e outras autoridades, especialmente as locais, para que a UE reforce a sua atuação nesta área». «Acho que esta área atuação deve fazer parte da Política de Coesão. Já faz, mas temos que aumentar as atividades e fundos dedicados a políticas de habitação, de forma a enfrentar esta crise», declarou.

«Tivemos várias reuniões com o Comité das Regiões e com o Comité Económico e Social Europeu (CESE), onde vimos que o assunto está lá e há essa solicitação para que a Europa faça mais», referiu.

Também numa intervenção no 9.º Fórum de Coesão, o presidente do CESE, Oliver Röpke, corroborou a preocupação de Nicolas Schmit com a crise na habitação, defendendo que esta área vai registar uma importância crescente a nível europeu.

«Tive o privilégio de estar na reunião dos ministros da Habitação, em Liège, e houve um acordo alargado de que mais ou menos todos os países na Europa estão a enfrentar este desafio da falta de habitação acessível», referiu.

Daquele encontro, promovido pela presidência belga da UE, resultou a Declaração de Liège – Para uma habitação acessível, digna e sustentável para todos, que preconiza reforçar a cooperação, avançar na regulação e aprofundar mecanismos de financiamento, através de um “Novo Acordo para habitação acessível, digna e sustentável para todos”.

«Penso que a Europa tem de desempenhar um papel nesta questão», sustentou o sindicalista austríaco, que tomou posse há um ano como presidente do órgão representativo da sociedade civil.

Em seu entender, a Política de Coesão é um instrumento-chave para o investimento de longo prazo, impulsionador do mercado único, pilar para a competitividade e integração europeia. Ao mesmo tempo, tem sido a chave para mitigar os impactos assimétricos das crises recentes, sendo que a sociedade civil deve ser envolvida na definição e implementação desta política.

«Em toda a Europa, há um número significativo de pessoas em risco de pobreza e exclusão, especialmente os grupos mais vulneráveis, com maiores taxas de desemprego, designadamente mulheres, jovens, migrantes. Precisamos de investimentos-chave na qualificação, no emprego. A Política de Coesão desempenha aqui um papel-chave, a par da transição verde e digital», acrescentou.

A Comissão publicou, entretanto, um conjunto de ferramentas para que os decisores políticos a nível nacional, regional e local possam utilizar da melhor forma o financiamento da UE para investir na habitação social e serviços associados.

Segundo dados do Eurostat, os preços da aquisição de habitação na UE aumentaram 47,9 % entre 2010 e o quarto trimestre de 2023 e os preços do arrendamento aumentaram 22,8 %. Em 2022, quase uma em cada dez pessoas na UE vivia num agregado familiar onde o custo total da habitação representava mais de 40 % do seu rendimento.

 

Mercado único tem de ser integrado

O antigo primeiro-ministro italiano Enrico Letta considera que o mercado único tem de ser realmente integrado para que a União Europeia possa ganhar competitividade.

Falando por videoconferência no 9.º Fórum de Coesão, o autor do Relatório de Alto Nível Sobre o Futuro do Mercado Único alertou que saem anualmente 300 mil milhões de euros da UE para os Estados Unidos, sendo que esse dinheiro é usado depois pelas empresas americanas para comprarem firmas europeias.

Para o presidente do Instituto Jacques Delors, isto acontece porque o mercado financeiro europeu «não está suficientemente integrado». «Temos 27 mercados financeiros, não um. Por causa desta fraqueza, as nossas poupanças são atraídas pelo grande mercado financeiro no mundo, o dos Estados Unidos», afirmou.

Em seu entender, é preciso completar a integração do mercado único e criar «uma forte, atrativa e integrada» União de Poupança e Investimento.

 


UE quer cumprir promessa de ser mais igualitária

«Se continuarmos a inovar, a modernizar-nos e a puxar uns pelos outros, nós, europeus, continuaremos a concretizar a promessa de uma União mais igualitária». Esta foi a ideia que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, transmitiu aos participantes no 9.º Fórum de Coesão.

«A coesão territorial, social e económica é uma promessa – a promessa de que todos os europeus são iguais. O compromisso de que todas as regiões europeias podem dar aos seus cidadãos oportunidades iguais. Que todos os Estados-Membros possam prosperar com o nosso mercado único. E que a Europa atue de forma solidária», afirmou, numa mensagem gravada em vídeo.

É para isso, continuou, que a Política de Coesão foi concebida, para «investimentos a longo prazo na conetividade, na resiliência e no tecido social das regiões da Europa», tendo destacado o apoio à construção da Barragem do Alqueva, em Portugal.

Referiu que a Política de Coesão «adaptou-se às novas circunstâncias, com solidariedade», sobretudo nos últimos quatro anos, permitindo enfrentar uma pandemia, uma guerra e uma crise energética. «Esta solidariedade dá-me confiança no futuro da nossa União», declarou.

Considerando que «chegou o momento de refletir sobre a forma como podemos reforçar o nosso modelo de crescimento e construir uma Europa ainda mais inclusiva» e «como podemos modernizar e reforçar a coesão na nossa União», agradeceu que a reflexão sobre o futuro da Política de Coesão já esteja em curso.

«Algumas ideias já estão a surgir: por exemplo, a necessidade de envolver os parceiros no terreno, de acelerar a execução e de associar as reformas aos investimentos. Em suma, como reduzir a carga administrativa e maximizar o impacto. Porque todos nós vemos como as exigências estão a aumentar», resumiu a alemã, que já anunciou a candidatura ao segundo mandato à frente da Comissão Europeia.

 

Instrumento de bem-estar

A presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, destacou a Política de Coesão como o melhor instrumento para reduzir as disparidades no seio da União Europeia e melhorar o bem-estar de todos os cidadãos europeus.

Numa mensagem gravada em vídeo, esta responsável disse que, numa era de mudança, com a emergência climática, guerra no continente europeu e crescimento do populismo, a Política de Coesão tem de ser «alinhada com a geopolítica da mudança».

A política maltesa argumentou que a Política de Coesão deve «prestar ainda mais atenção aos níveis de governo mais próximos dos cidadãos» e dar mais apoio a «projetos de alto impacto», que diminuam as assimetrias e tornem vibrante a economia europeia.

Defendeu também a transição ecológica e digital como o rumo para uma economia mais sustentável, resiliente e que assegure um futuro melhor para todos.

O 9.º Fórum de Coesão ficou igualmente marcado pela intervenção do presidente do Comité das Regiões Europeu, o açoriano Vasco Cordeiro, que desafiou os partidos políticos a apresentarem a sua posição sobre a Política de Coesão antes das eleições europeias, marcadas para junho, rejeitou o centralismo e denunciou a existência de regiões prejudicadas por más decisões dos governos nacionais.

Por seu turno, em declarações aos jornalistas, o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, António Cunha, considerou que é «determinante» continuar a existir a Política de Coesão, mas alertou para a necessidade de se avançar para a desburocratização e descentralização dos processos.

Questionada pelos jornalistas em relação ao futuro, Elisa Ferreira revelou que pretende continuar a contribuir para a vida pública, como cidadã, depois de terminar o mandato na Comissão Europeia.

 

*Em Bruxelas, a convite da Comissão Europeia