Um tutor de Inteligência Artificial (IA) para cada aluno português é uma promessa recente do ministro da Reforma do Estado, Gonçalo Matias, cuja presença algo desvairada na Web Summit, que se realizou há dias em Lisboa, foi abundantemente glosada por vários humoristas. No programa Isto é gozar com quem trabalha, emitido no passado domingo, foi ressaltado o quão parolo pode ser o embasbacamento perante o universo das novas tecnologias, dos seus profetas e dos seus fiéis. Mas da parolice não viria grande mal ao mundo. Nefasta é a rendição acrítica ao solucionismo tecnológico, a poderosa ideologia que crê que as tecnologias resolvem todos os problemas humanos.
Não é que a tecnologia não possa ter préstimo. Foi, aliás, por isso que perguntei ao Copilot, o assistente conversacional da Microsoft e meu conjuntural interlocutor de Inteligência Artificial, sobre se ao próprio ministro não conviria um tutor. “Excelente ideia”, respondeu-me com aparente entusiasmo. Para o Copilot, “um tutor de Inteligência Artificial para um ministro da Reforma do Estado poderia ser uma ferramenta estratégica, não apenas técnica. Ele funcionaria como um mediador entre a complexidade tecnológica e a missão política de modernizar a administração pública”.
A resposta do Copilot enunciou o que o tutor poderia explicar ao ministro. As sugestões não eram descabidas. Algumas até lhe moderariam o excessivo deslumbramento perante a própria Inteligência Artificial.
O tutor do ministro encarregar-se-ia, por exemplo, de o fazer olhar para questões de “ética e regulação”. O Copilot referiu três: “Alertar para riscos: discriminação algorítmica, privacidade, segurança de dados; propor boas práticas: garantir que a modernização administrativa respeite direitos fundamentais e valores democráticos; inspirar políticas inclusivas: sugerir formas de usar IA para reduzir desigualdades no acesso aos serviços públicos”.
A garantia de que a modernização administrativa respeita direitos fundamentais e valores democráticos é uma recomendação avisada. Se quase ninguém tem saudades do tempo do papel selado ou quer tão dilatados tempos de espera por um carimbo, muitos são os que não ambicionam que a alternativa seja passar a ser atendido telefonicamente (se se for atendido) por simulacros de voz humana, sem possibilidade de, em última instância, encontrar uma pessoa, capaz de desatar algum dos incontáveis nós cegos incompreensíveis para os algoritmos. A “modernização” não pode ser trocar pessoas por aplicações, assistentes virtuais, códigos QR, tutores de Inteligência Artificial e coisas assim. O próprio Copilot o assegura na sua explicação sobre em que o tutor poderia ser recomendável para o ministro da Reforma do Estado: esse tutor poderia impedir que “a modernização se reduza a mera digitalização burocrática”.
Sobre o logro que representa a crença desmedida no papel da tutoria individual da IA no ensino, inicialmente prometedor, mas, pouco depois, muito decepcionante para alunos e as suas famílias, publicou a revista Wired uma extensa reportagem sobre a experiência de um estabelecimento de ensino nos Estados Unidos da América, em Brownsville, Texas [1]. O texto é eloquente sobre o pesadelo em que se tornou essa escola na qual, segundo um inquirido, se “procurava preparar os alunos para um ambiente hipercompetitivo, ‘típico do capitalismo tardio e da lei do mais forte”.
Mas não é preciso ler muito para desconfiar do solucionismo tecnológico. Questionado sobre porque é que é errado os alunos terem um tutor de Inteligência Artificial, o Copilot, de novo o meu interlocutor de Inteligência Artificial, apresenta dois pontos críticos sobre o assunto. Um diz respeito às “razões pelas quais pode ser problemático”. O outro refere em que é que “a IA pode ser útil sem substituir”. A utilidade é referida em poucas linhas e diz respeito, por exemplo, ao “apoio personalizado em dúvidas pontuais”, considerando que a IA deve ser encarada como uma “ferramenta de estudo complementar, como um ‘assistente’ e não um tutor”.
Quanto às “razões pelas quais pode ser problemático” os alunos disporem de um tutor de IA, o Copilot refere cinco aspectos. Em primeiro lugar, surge a “redução da dimensão humana da educação”. É que “a relação educativa não é apenas transmissão de conhecimento. É também encontro, presença, empatia, escuta e exemplo. Um tutor de IA não pode substituir a experiência de ser acompanhado por alguém que vive, sente e partilha valores”.
Em segundo lugar, pode haver um “risco de dependência tecnológica”. De facto, “se os alunos se habituarem a recorrer sempre a uma IA para resolver dúvidas, podem perder autonomia crítica e capacidade de enfrentar a incerteza – competências fundamentais para a vida”.
O meu interlocutor de Inteligência Artificial reconhece os seus próprios limites: a sua “neutralidade aparente, mas enviesada”. Diz o Copilot que “a IA é treinada com dados que refletem visões de mundo, desigualdades e preconceitos. Um tutor artificial pode transmitir esses enviesamentos sem consciência crítica, dando a ilusão de objetividade”.
Problemática é também a “fragilidade ética e relacional”. O assistente conversacional nota que “um tutor humano assume responsabilidade moral e afetiva pelo acompanhamento. A IA não tem consciência nem responsabilidade, o que pode gerar situações de desumanização ou de falta de cuidado”.
Finalmente, é preciso, regista o Copilot, encarar a “educação como formação integral”. Ou seja, “a educação não é apenas instrução. É também formação de caráter, cidadania, espiritualidade, criatividade. Um tutor de IA pode apoiar em conteúdos, mas não pode encarnar valores ou testemunhar experiências de vida”.
Em resumo: a Inteligência Artificial encontra mais sentido em tutorar um ministro do que um aluno.
[1] Todd Feathers – “Parents Fell in Love With Alpha School’s Promise. Then They Wanted Out”, 27 de Outubro de 2025