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Ócio que liberta ou que entorpece?

É aqui ao lado. Espanha exibe valores cimeiros no respeitante à longevidade da população nos estados da UE, fixando-se a média para os dois sexos nos 84 anos. Não obstante trabalharem mais devido ao desequilíbrio na distribuição das tarefas familiares ou domésticas, as mulheres, ora porque bafejadas pela genética ora porque mais zelosas da sua saúde, ultrapassam os 86 anos, enquanto os homens se ficam pelos cerca de 82.

Por cá, em Portugal, a progressão da esperança média de vida tem sido igualmente apreciável, exibimos valores que encaixam na média da UE, a rondar os 82 anos considerados os dois sexos.

Depois do recuo recente observado aquando da pandemia COVID-19 (2020-21), a progressão observada em Portugal e na UE no decurso das últimas décadas, no atinente à longevidade, tem sido constante. E a perspetiva mais comummente avançada por diversos especialistas é que o processo de crescimento da longevidade dos europeus continue, ainda que não seja difícil de prognosticar que o limite máximo esteja próximo de ser atingido. Os mais otimistas vislumbram que em décadas próximas a Europa, como outras partes do mundo mais desenvolvido (Japão e outros países), exibirá uma paisagem demográfica onde os centenários se tornarão figuras bem mais familiares do que hoje. 

Se refletirmos que no início do século passado a longevidade dos europeus rondava apenas os cinquenta anos de vida, havemos de conceder que nestes cento e vinte anos transcorridos o progresso foi notável, sendo que mais marcante, e praticamente contínuo, nas últimas décadas.

Recentemente a Dinamarca projetou que por 2040 a idade comum para acesso à reforma dos seus nacionais, sem penalização, se estabelecerá nos 70 anos. Em Portugal, hoje esta idade aproxima-se dos 67 anos, um nível apreciável, e oscilará futuramente em função da longevidade, enquanto em França, depois de renhidas lutas sociais e políticas, se acertou que até 2028 não passará dos atuais 62 anos. Para quem anseie pelo acesso o mais precoce possível à reforma, bem se pode dizer, usando uma bem conhecida frase, que é mesmo neste último país (França) que se vive à grande e à francesa. O quadro é bem diverso no seio da UE, como se constata.

Lamentavelmente, dizem as estatísticas, Portugal é um país onde se envelhece mal, onde os reformados, sobretudo os mais pobres, gozam de poucos anos de ócio com saúde. Porém, para lá das médias, há todo um conjunto de situações individuais, mais peculiares, que se podem colocar em Portugal como em qualquer país desenvolvido. De facto, como as idiossincrasias não são padronizadas, o crescimento da longevidade pode também colocar questões sobre a má convivência com a exclusão do trabalho para uma apreciável percentagem de indivíduos que atinjam a idade de reforma e que – doravante dissociados de longas rotinas e do convívio comum com muitos dos seus amigos, adstritos ao local de trabalho – temam o excesso de tempo livre que se estende no seu caminho futuro. E se o trabalho desgastante ou desagradado pode minar a saúde, o excesso de ócio também pode contribuir para a fragilizar. Numa sociedade como a atual, em que o panorama laboral é marcado crescentemente pelo setor dos serviços, é possível que esta espécie de temor pela emergência de uma “estação da quietude forçada” (a reforma) cresça. Assim, num tempo (o atual) em que se vive o quase pleno emprego e em que nalguns setores escasseiam profissionais experimentados, a lei deveria ser mais acolhedora (ajustando as comuns contribuições fiscais e eliminando as respeitantes à segurança social) para aqueles que queiram prolongar os seus anos de trabalho, tendencialmente num formato parcial, não obstante a sua potencial condição de reformados. E tal deveria valer, em termos opcionais obviamente, também para a função pública em Portugal, na qual desde 1926, num tempo de longevidade muito minguada, a lei impõe a reforma compulsiva aos setenta anos de idade.

Nas profissões física ou psicologicamente mais desgastantes (e várias são por lei consideradas de “desgaste rápido”) a emergência do tempo de ócio alargado propiciado pela reforma será naturalmente vista com a maior tranquilidade, com satisfação acrescida mesmo. 

Emergem, pois, tempos novos que colocam desafios antes desajustados ou impensados. Precisamos de aprender a viver melhor o crescente horizonte da longevidade. 

Amadeu J. C. Sousa

Amadeu J. C. Sousa

22 novembro 2025