Há histórias de amor que não começam no colo, mas no silêncio das unidades de cuidados neonatais, onde o tempo se mede em gramas e respirações por minuto. Há mães e pais que aprendem uma nova forma de amar: que observa, espera, vigia e que só pode existir com as pontas dos dedos apoiadas na incubadora. Novembro Roxo, mês da prematuridade, lembra-nos que por vezes, a vida chega antecipada e abala os sonhos: aquilo que se planeou durante meses transforma-se, num instante, em medo que se instala no corpo como uma sombra silenciosa.
O tempo da prematuridade é estranho. Não avança como o relógio da maternidade idealizada, aquele que promete fotografias no colo, visitas felizes e regressos rápidos a casa. É um tempo suspenso, feito de dias iguais, em que o sol nasce, mas parece não entrar pelas janelas do hospital. Os pais aprendem a viver ao ritmo dos monitores: um apito que sobe significa alerta, um número que desce ansiedade, um fio a menos é uma vitória e um grama a mais é celebrado como se fosse um quilate de ouro.
A maternidade (e a paternidade) que se inicia é feita de microgestos: lavar as mãos vezes sem conta, esperar pelo “pode tocar”, aprender a colocar a mão de forma firme e estável porque um toque leve demais pode ser estímulo excessivo para quem acabou de nascer. É uma escola de amor, onde a esperança vive em equilíbrio com o medo.
A prematuridade é, muitas vezes, uma experiência solitária. Há visitas que dizem “vai tudo correr bem” como se pudesse ser garantido. Há quem minimize: “o meu primo também nasceu assim e está ótimo”. E há quem não saiba o que dizer e por isso se afasta.
No peito destes pais vive uma verdade que não encontra facilmente palavras: é possível amar profundamente e, ao mesmo tempo, estar apavorado; celebrar pequenas conquistas e, minutos depois, ser derrubado por uma troca de ventilação, uma infeção, uma instabilidade que aparece sem aviso. E há ainda algo de que pouco se fala: os pais que saem do hospital sem o seu bebé ao colo, de braços vazios… é um dos momentos mais cruéis da prematuridade, uma espécie de inversão do que a sociedade considera “normal”.
A sociedade gosta das histórias de superação e é justo celebrá-las. Os bebés que vencem a prematuridade são, sem dúvida, guerreiros. Mas é igualmente verdade que nem todos os bebés sobrevivem e esses pais, que viveram um amor inteiro em poucas semanas, ficam no silêncio. Perder um bebé prematuro é um luto que se torna invisível porque poucos sabem o que dizer ou como acompanhar. No entanto, é um luto que existe e que merece respeito, memória e nome.
Novembro Roxo não é só um mês para partilhar estatísticas sobre nascimentos prematuros. É um convite, talvez um apelo, para mudarmos o modo como nos relacionamos com a vulnerabilidade destas famílias porque apoiar um bebé prematuro é também apoiar a mãe que ficou entre a vida e a morte num parto antecipado, o pai que tenta ser forte enquanto tudo nele desaba e todos aqueles que não compreendem ou têm medo de perguntar, mas sofrem em silêncio.
Cada bebé que viveu numa incubadora (vivo ou falecido), deixa um amor eterno. Há bebés que vivem meses, outros que vivem semanas, dias ou horas. Mas todos existiram, deixaram algo, foram amados e merecem ser lembrados. Os bebés prematuros ensinam-nos que a vida não se mede pela duração, mas pela profundidade com que tocou quem ficou. E talvez esta seja a grande verdade deste Novembro Roxo: há amores que, mesmo começando atrás de um vidro, permanecem para sempre dentro do peito.