A carga emotiva subjacente às comemorações da evocação do 25 de novembro está na linha da frente quando, na verdade, o que devia estar a ser refletido, nas preocupações dos partidos, foi o percurso notável da encruzilhada de uma Nação que encontrou o seu próprio caminho, percorrendo uma estrada desconhecida, sem sinalização, cheia de engulhos e de pedras. Foi a vontade do povo e só desta que dependeu a construção, ainda que com defeitos, da Democracia que temos hoje. Não se pode, por isso, construir nem verdades alternativas, nem excessos de protagonismo que remetam as expectativas, geradas no 25 de Abril, para a incerteza dos dias que só uma dose de iluminados descortina agora como mal feita para encontrar uma alternativa, como também, não podemos remeter para o silêncio dos dias que passam, que a revolução portuguesa foi um processo que só foi construído naquele dia de 74. Tanto assim, que o outro 25, tal como o 16 ou o 28, sendo números de meses como março ou setembro transportam-nos para realidades concretas, factuais, próprias de um Estado à procura de dar os seus primeiros passos rumo a uma Democracia plena. Quer isto dizer que novembro foi igualmente importante? – Sem dúvida. Mas não foi mais nem foi menos. É consequência e não protagonista. Resulta, por isso, a preocupação de acautelarmos, com a distância que esta circunstância merece, que não nos desviemos do essencial: “O uso de datas na memória coletiva serve para consolidar narrativas históricas, criar um senso de identidade e unidade social, e orientar o futuro com base em lições do passado. Essas datas atuam como marcos simbólicos que conectam o passado ao presente, permitindo que as sociedades construam uma visão oficial da história e encontrem um propósito comum”. A função e uso de datas na memória coletiva serve, em primeiro lugar, para construir a identidade e coesão social, unindo as pessoas, fornecendo os ingredientes necessários para a construção de um sentimento de pertença. Do mesmo modo, as datas são e devem ser usadas pelo poder político, económico e social para legitimar a sua existência, na base histórica de um passado que justifica a sua visão de presente e futuro. As lições apreendidas com abril e novembro, com os seus sucessos e recuos, permitiram à sociedade portuguesa apreender quanto custa construir a Liberdade e a Democracia, ainda que, como todos percebemos Hoje, estejamos em permanência a crivá-las de “balas” contra a parede como se esta fosse capaz de resistência ad aeternum. É importante sublinhar, que o facto de a seleção de datas para comemorar um determinado acontecimento, para construir uma narrativa hegemónica, favorecendo as memórias de um grupo sobre o outro, procurando silenciar as narrativas dos outros, nunca se afigurou como inteligente e só gera conflito. No essencial, só uma visão integrada nos deve conduzir à preservação do que foi a construção destes 50 anos em Democracia, mantendo a Memória fatual e não a seletiva (baseada no desejo), como pressuposto para o consenso que tem unido os portugueses em torno da revolução mais cool e cuja carga pacífica e simbólica (o cravo é uma arma), catapultaram Portugal para o concerto das Nações mais pacíficas e extraordinárias do mundo. Esta é a história de um povo, da sua superação e coragem, que pode e deve servir como fonte de inspiração para a sociedade como um todo se inspirar para enfrentar os grandes desafios do presente e do futuro. Não pode, isso sim, servir para dividir, estrangular ou manipular ou criar uma nova Casa de partida de um processo que quer a classe política queira ou não, quer os atuais e os antigos militares queiram ou não, só teve, na realidade e na verdade, um verdadeiro protagonista e um justo vencedor porque a ele, reconheça-se, coube o principal papel ao transformar um golpe militar numa revolução: o povo português.