Educar é uma tarefa atraente, mas, como todas as realidades humanas, apresenta as suas dificuldades. Lembremo-nos, em primeiro lugar, que a educação é uma realidade comum a todas as situações da nossa vida. Nada do que um ser humano vive é alheio aos parâmetros duma pedagogia que acompanha os seus actos. O que se faz está sempre sujeito ao exame de quem observa e conta, desde a sua concepção, com a consciência do seu autor.
Por isso, quando se pensa em fazer o que quer que seja, sempre se prevêem os resultados dessa tarefa, quer na consciência de quem a realiza, quer nas reações que pode provocar em quem observa ou é receptor das consequências do que se levou a cabo. Certamente que ser educado tem profunda relação com muitas dimensões que, por vezes, podem ser mal interpretadas pelas mentes alheias sobre uma acção originada por alguém.
Assim, por exemplo, o juízo que se faz sobre um acto de alguém exige, por quem é seu autor, um conhecimento bastante profundo sobre os resultados que provoca e os motivos que lhe deram origem. Recordo, por exemplo, a conclusão de alguém sobre uma senhora que, numa rua, repreendeu uma criança já crescida de um modo aparentemente muito severo e pouco apropriado. Alguém comentava: “Uma criança deve sempre ser muito respeitada e pouco repreendida”.
Esta apreciação desconhecia as motivações do “ralhete”. Decerto que se deve tratar uma criança com carinho e cuidado. No entanto, no caso concreto, esquecia-se, de um modo simplista, que quem ralhava era a mãe e as razões dessa atitude prendiam-se: 1.º - Com a demora da criança em manter-se fora de casa: cerca de uma hora para além do prazo a que se comprometera; 2.º - Que esta demora levou o seu autor a subestimar uma obrigação a que se tinha comprometido com a mãe: voltar para casa no tempo previsto (ela até tinha relógio de pulso), a fim de fazer os “deveres” caseiros que a sua professora da escola lhe tinha mandado.
Certamente que esta cena nos lembra o cuidado que devemos ter ao fazer um juízo sobre o conduta de alguém. As motivações duma acção humana são muito variadas e exigem, de quem as qualifica, um conhecimento aprofundado das razões da sua realização.
Por isso é que precisamos de não nos precipitar quando qualificamos a conduta de alguém. É óbvio que a proximidade e o conhecimento familiar duma mãe sobre os seus filhos é muito relevante. Mas também dela exige um cuidado igualmente rigoroso para julgar uma acção dum seu rebento com a objectividade que reclama o seu papel de educadora e o seu amor maternal. Este é sempre muito útil em todos os juízos, porque lhe dá uma capacidade e uma penetrabilidade no comportamento dos filhos inegualável.
A propósito, o autor destas linhas lembra-se de que, quando frequentava um dos liceus da cidade do Porto, teve um dia um “exercício” de Latim, que implicava, ente outros pormenores, a tradução dum excerto dum texto dum autor romano. Para isso, era necessário levar um dicionário. No entanto, no regresso a casa, que se situava num dos arredores da “Invicta”, esqueceu-se do referido dicionário no comboio. Ficou muito preocupado, porque, sendo o oitavo rebento dos nove do casal, em casa não abundava o dinheiro, mas sim o amor familiar. Por isso, quando chegou ao seu lar, procurou calar a distração. E, como era hábito, foi cumprimentar os pais, que se encontravam sentados no sofá duma sala: a mãe, sempre cozendo as meias que ele rompia no futebol, e o pai, lendo um dos jornais do dia. Aproximei-me, tentando que a minha cara nada revelasse. Fui cumprimentar primeiro a minha mãe. Olhou-me, enquanto eu procurava sorrir, e perguntou-me: “O que é que te aconteceu, filho?” Não podia mentir: “Esqueci-me do dicionário de Latim no comboio...” O ralhete começou: “Parece impossível, és um cabeça no ar...” O meu pai atalhou: “Não te preocupes...Hoje o Latim não está em voga e um dicionário é um calhamaço incómodo... Amanhã irá aos “Perdidos e achados” da estação de Campanhã... Aí encontrará o dicionário...” E assim, felizmente, aconteceu…