As rendas antigas, referentes a contratos de arrendamento habitacional anteriores a 1990, permanecem um dos temas mais sensíveis na política de habitação em Portugal. Estes contratos, congelados durante décadas, criaram uma situação paradoxal: senhorios com rendimentos irrisórios e inquilinos, na sua maioria idosos ou em situação de carência económica, protegidos por regimes especiais.
Segundo o Observatório da Habitação, existem cerca de 124.083 contratos anteriores a 1990, com uma renda média de 166,54 euros, sendo que 80% dos inquilinos têm mais de 70 anos e 71% vivem com rendimentos anuais inferiores a 15.992 euros. A discrepância é evidente quando comparada com os contratos recentes: entre 2017 e 2021, a renda média era de 440 euros, mais do triplo das rendas antigas.
No concelho de Braga, a pressão habitacional é elevada. Embora não existam dados oficiais específicos sobre o número exato de contratos antigos, sabe-se que a autarquia congelou rendas apoiadas para 682 famílias vulneráveis, abdicando de 31 mil euros no orçamento anual, como medida para mitigar a crise. Além disso, segundo dados do INE, há cerca de 4 mil imóveis devolutos no concelho, o que agrava a falta de oferta e reforça a necessidade de políticas que mobilizem este património para arrendamento acessível.
Grande parte dos inquilinos abrangidos por rendas antigas invocou carência económica para manter os contratos congelados. Estima-se que 20% dos contratos anteriores a 1990 estejam associados a famílias em situação de comprovada carência, com rendas que não ultrapassam os 150 euros mensais. Estes agregados vivem frequentemente em condições precárias, com sobrelotação e falta de acessibilidade.
As reportagens de Fernanda Câncio no Diário de Notícias revelam um cenário de impasse: apesar da criação de um mecanismo de compensação aos senhorios pelo programa Mais Habitação, os pagamentos têm sido tardios e insuficientes. Em agosto de 2024, apenas 2.170 pedidos tinham sido analisados pelo IHRU, num universo estimado de mais de 100 mil contratos congelados. A jornalista denuncia ainda entraves burocráticos, como a falta de documentos por parte da Autoridade Tributária, que impede muitos senhorios de aceder à compensação.
Importa destacar que o IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana) disponibiliza apoios financeiros aos senhorios como forma de compensação pelas rendas congeladas, procurando equilibrar a proteção aos inquilinos vulneráveis com a justiça para os proprietários. Este mecanismo, embora essencial, enfrenta desafios na sua implementação, nomeadamente atrasos na análise dos pedidos e insuficiência dos montantes atribuídos.
O programa eleitoral da Iniciativa Liberal para as legislativas de 2025 defende claramente o descongelamento das rendas e a devolução da confiança aos senhorios. A proposta inclui incentivos fiscais, redução da burocracia e clarificação do papel do Estado, com o objetivo de aumentar a oferta de casas para arrendamento e corrigir distorções históricas.
Atualizar todas as rendas antigas para valores de mercado implicaria um custo anual estimado de 653 milhões de euros, segundo estudo do IHRU. Este valor ilustra a dimensão do problema e a necessidade de soluções equilibradas que protejam inquilinos vulneráveis sem penalizar os proprietários.
O congelamento das rendas anteriores a 1990 é um problema estrutural que exige uma abordagem integrada: compensação justa aos senhorios, proteção aos inquilinos mais frágeis e políticas que promovam a mobilização de imóveis devolutos. A proposta da Iniciativa Liberal para descongelar rendas insere-se num debate mais amplo sobre como garantir justiça social e eficiência económica num mercado habitacional em crise.