Na passada semana tive o grato prazer de apresentar conjuntamente com Abel Coentrão – alguém que respeito e muito prezo – o último livro de Miguel Carvalho “Por Dentro do Chega” – uma obra fundamental que, espero, se venha a tornar, em breve, uma referência fundamental para quem quiser estudar e ser jornalista e crucial para os que hoje, o sendo, inspiradora para mudarem de agulha, olhando-o como exemplo do que se pede a quem abraça esta profissão: verticalidade, seriedade, honestidade intelectual e uma vasta cultura e respeito pelos princípios e valores fundamentais da profissão. A sessão foi promovida pela Centésima Página, no Mercado Municipal de Braga, agora com uma nova dinâmica. Tive a oportunidade de recordar duas fontes inspiradoras, tanto minha como do Miguel na saudosa redação do Diário de Notícias, no Porto, no final da década de 90, do século passado: Alfredo Mendes e Pinto Carvalho, jornalistas inspiradores e de elevada estatura moral. O livro de Miguel é, antes de mais, corolário de uma evidência: o de alguém que cumpre com o fundamental em jornalismo: por muito difícil que seja, por muitas portas que se fechem, por muitas dúvidas que se levantem, por muitas ratoeiras que coloquem no caminho, a verdade está sempre em primeiro lugar. Na primeira pessoa, ao longo de 748 páginas, o livro é uma Grande Reportagem que, como poucas, desfaz mitos e traz à liça o pior do animal político que pode existir no ser humano, em Democracia. Quando me ligou a pedir para que falasse na apresentação, lembrei-me de imediato o refrão daquela canção de José Mário Branco “Eu vim de longe” que todos se lembram bem: “O que eu andei para aqui chegar”. Foram cinco anos de investigação tingidos de milhares de quilómetros, de contactos sem fim, de recuos e avanços, sofrimento, de dificuldades, de ameaças, de incompreensões e de tantas noites em branco. Resumia as suas qualidades necessárias à escrita jornalística, mas sobretudo à investigação, como a de alguém que reúne as qualidades próprias de quem há décadas subscreveu um PPR que caracteriza a sua personalidade: Paciente, Persistente e Resistente. A segunda qualidade é a escrita, simples nas palavras, mas rica em conteúdo e esclarecedora, o que permitiu em todas as obras que já publicou e nesta em particular, acabar de ler o livro, à espera do próximo. Apetece dizer que este livro é resultado de um bilhete de identidade impróprio para consumo, resultado de um fenómeno recente no nosso país arrastado pela hiperinflação da desconfiança que se foi instalando em torno dos partidos clássicos e da sua incapacidade para dar resposta às necessidades básicas dos cidadãos. Como dizia há dias o filosofo norte-americano, Francis Fukuyama, o fenómeno dos populismos e dos extremismos que levam à adesão popular assente na desconfiança, decorre “da dificuldade das democracias em fazerem coisas, no sentido de darem respostas às necessidades das populações”. O livro de Miguel Carvalho não é só um retrato de um partido por dentro, é o resultado de uma Democracia que nasceu e cresceu sem um pilar fundamental ao seu usufruto pleno: o exercício de uma cidadania política ativa e esclarecida. Pelo contrário, o que os partidos fundadores da Democracia fizeram, ao longo de décadas, foi criar as bases para a descrença, fomentando a ignorância e o afastamento dos cidadãos. Ao longo das páginas deste livro, os testemunhos retratam um Portugal virado de avesso e zangado com as suas elites, não zangado com os emigrantes ou racista, porque isso sabemo-lo, não é uma convicção, senão o resultado da instrumentalização, da manipulação da verdade por puro interesse de quem não olha a meios para atingir o poder. Ao ler o teu livro Miguel, não me espanta as múltiplas referências a Braga, aos protagonistas de ontem que continuam, com exceção dos desaparecidos, a serem os mesmos de hoje, cheios de vontade e sede de serem o que não foram e de ganharem hoje o que perderam no passado. São protagonistas da oportunidade, exploradores dos medos, das circunstâncias, das nossas fraquezas e tibiezas, do egoísmo que nos conduziu décadas a fio à Indiferença.