Sôbolos rios que vão (ou Redondilhas de Babel e Sião ou Super Flumina), de Luís de Camões, é um dos grandes poemas da História da Literatura Portuguesa. A partir dele, Jorge de Sena escreveu o conto Super Flumina Babylonis, que Sophia de Mello Breyner Andresen considerou “uma obra-prima” [1]. Como pano de fundo dos dois textos, encontra-se o Salmo 137/136. Este Salmo, que começa assim: “Junto aos rios da Babilónia nos sentamos a chorar, ao recordarmos Sião”, teve uma significativa repercussão na literatura portuguesa. Frei Herculano Alves, em O Salmo 137/136 e as «Literaturas de Exílio». Estudo e Antologia, recentemente editado pela Difusora Bíblica e pelas Paulinas, olha atentamente para essa ressonância, cumprindo a tarefa hercúlea de recensear as obras em que, mais ou menos explicitamente, ecoa o texto bíblico.
Frei Herculano Alves começa por apresentar e explicar o Salmo, reproduzindo-o em hebraico, grego, latim e português e analisando minuciosamente o seu contexto histórico. A primeira parte inclui ainda, por exemplo, um estudo do Salmo na perspectiva bíblica, uma explanação da sua leitura cristã.
Na segunda parte da obra, Frei Herculano Alves indica os autores e os textos literários portugueses em que o Salmo 137 e a sua temática, de algum modo, se repercutiu. Alguns dos antologiados são Frei Bartolomeu dos Mártires, Padre António Vieira, Francisco Manuel de Melo, Alexandre Herculano, Sophia de Mello Breyner Andresen, Agustina Bessa-Luís, José Saramago, Herberto Helder, Ruy Belo e Daniel Faria, além de Luís de Camões (indicando Frei Herculano Alves os sonetos camonianos mais directamente relacionados com o Salmo) e Jorge Sena. O trabalho de recolha não se restringe a autores nacionais. A obra também dá conta das referências que são feitas ao Salmo em literaturas estrangeiras, assim como no teatro e no cinema.
Frei Herculano Alves não desdenha os ecos que também teve na cultura ligeira, lembrando uma canção muito popular no final da década de 70 do século XX: Rivers of Babylon, do grupo Boney M, outrora muito famoso. Na música, há outras menções ao Salmo 137, como a que ocorre na ópera Nabucco, de Giuseppe Verdi.
O Salmo 137/136 e as «Literaturas de Exílio». Estudo e Antologia é um livro essencial para conhecer devidamente aquele que, segundo Frei Herculano Alves, é “um dos salmos mais citados da literatura portuguesa, e não só”.
A obra tem ainda o condão de nos chamar a atenção para a condição de exilado, tão central nas sociedades contemporâneas e tão incompreendida e desprezada. Escreve o autor que “o tema do exílio tem uma importância gritante nos tempos em que vivemos”.
Para Frei Herculano Alves, nunca houve tantos exilados, assim como refugiados e emigrantes. São-no, acrescenta, “pelos mais variados motivos: as guerras; as perseguições dos regimes ditatoriais; a fome, devido às rápidas mudanças climatéricas e outras catástrofes”. É verdade: “nunca tantas lágrimas foram derramadas nas margens de rios ou nas travessias de desertos e mares”. Observa o autor que “o Mar Mediterrâneo é disso exemplo”.
Frei Herculano Alves acrescenta que, “por isso, nunca foi tão necessário ‘lamentar’, como faz o salmista neste texto, os crimes horrendos das ‘babilónias’ e dos respetivos ditadores, que tão bem conhecemos, pelo seu nome próprio, no nosso tempo”.
O livro tem ainda um suplementar mérito, deveras relevante. O Salmo 137/136 e as «Literaturas de Exílio». Estudo e Antologia mostra-nos eloquentemente que o desconhecimento da cultura religiosa, em geral, e particularmente da Bíblia, dificulta ou impossibilita a compreensão de uma grande e significativa parte das grandes obras do património literário, musical, cinematográfico e pictórico. E a ignorância bíblica provoca graves malefícios na acção política de uns quantos que se proclamam cristãos.
[1] Carta a Jorge de Sena, 31 de Dezembro de 1967. In Sophia-Sena. As cartas (Correspondência: 1959-1978). Guerra e Paz, 2025 (4.ª ed.)
