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O “primado” das telenovelas

 

 



 

Na sua obra literária, “PENSAR”, o nosso escritor Virgílio Ferreira cita Napoleão que disse antes de morrer: – “que grande romance é o da minha vida”. O que fazia o homem das letras interrogar-se sobre como é que tipos como o amante de Josefina proferiam belas frases quando deveriam era estar quietos, calados e sossegados à espera da morte. Pois já Pascal dizia que a condição humana é a de quem numa fila de condenados à morte fosse vendo serem sucessivamente executados os que o precedem, até chegar a sua vez. Só que o espírito humano não tem limites e as citações não param. 

A tal ponto, de haver surgido frases em alguns romances que deram título a espetaculares filmes, bem como serviram de mote às resmas de conteúdos saídos da imaginação humana, pela pena dos escritores, alguns deles best-sellers em vendas. Pelo que aquilo que não falta por aí é literatura romanceada que levou realizadores de cinema e teatro a darem-lhe vida. Provam-no as peças teatrais e filmes de aventuras amorosas mais antigas, que se tornaram campeões de bilheteira em todo o mundo.

Ora, não só seria fastidioso citar alguns desses inúmeros livros e respetivas películas, como gastaria todo o espaço que me é concedido por este jornal diário para expor todos aqueles que, do meu ponto de vista, considero os meus favoritos. Contudo, não posso deixar de nomear algumas dessas ‘longas-metragens’ cinematográficas a que mais gostei de assistir e que foram dirigidas por David Lean, baseadas nos romances: “Guerra e Paz”; Ben-Ur; A Filha de Ryan; Lawrence da Arábia; Doutor Jivago, etc.

Pois bem, se a expressão proferida pelo Imperador francês – acerca do romance que daria a sua vida – fosse dita nos dias de hoje, a maioria das pessoas chamar-lhe-ia piegas, ou bota de elástico. Dado que os romancistas de ontem não se enquadram nos gostos de uma grande maioria dos leitores, nem dos espectadores de agora. Ou seja, é algo que foi dando lugar a enredos novelísticos que, atualmente, pululam em alguns dos nossos canais televisivos, numa autêntica guerra de audiências sem precedentes. Só a SIC e a TVI exibem, diariamente, cerca de 10 telenovelas, fora os canais que lhes dedicam as 24 horas do dia. O que nos faz passar a ideia de que o país não faz mais nada do que ver telenovelas. 

Sim, se o Imperador francês andasse por aí, teria de mudar de estado d’alma e dizer: “que empolgante telenovela daria a minha vida”. Caso contrário, seria visto como um pinga-amor. Embora, para mim, os romances que li e continuo a apreciar, têm sempre lugar na minha memória. É que já tentei ver uma tele- novela, mas não consegui, tanto é o tempo de permeio gasto em blocos de publicidade.

Foi algo que apendemos a fazer com os brasileiros a partir da Gabriela Cravo e Canela, a qual chegou a paralisar os trabalhos no parlamento português. O que passou não só a dar emprego, como visibilidade a muita gente. Daí, alguns dos nossos atuais escribas se dedicarem mais à criação de enredos novelísticos. 

Também as cantigas ditas populares com letras a roçar o pornográfico enchem as televisões, sobretudo ao fim de semana. Em que a relação entre o homem e a mulher descem ao nível do rasca. Como se já não bastasse estarmos a assistir á mudança de paradigma entre os dois sexos de que está a resultar uma multiplicidade de géneros. Sendo que, qualquer dia, não vai chegar o abecedário para os classificar a todos.

Por outro lado, este “primado” das telenovelas, na TV, enfatiza mais o luxo, sexo, traição, golpadas e divórcio, do que a fidelidade, o amor e a paixão. Não é que dantes não houvesse facadas no matrimónio, separações e violência, só que agora está tudo mais escancarado e banalizado ou, como muita gente diz, democratizado. No entanto, raros têm sido os romances atuais que aludem à existência desse violentar doméstico. Como escassos vão sendo os que, para terem um final feliz, omitem os casamentos fracassados, as novas relações, os filhos dela, dele e de ambos. 



 

 

Narciso Mendes

Narciso Mendes

1 setembro 2025