twitter

Pôr o dedo na ferida

Bem sei que a campanha oficial para as Presidenciais ainda vem longe, mas isso não impede que os candidatos, aqui e ali, agora ou logo, se pronunciem sobre os assuntos do país e se posicionem no que diz respeito às matérias que mais preocupam os portugueses. Os mais activos, diria que os únicos, sem se sobreporem aos líderes partidários – creio que preenchendo a ausência destes por causa do período de férias –, têm sido António José Seguro e o Almirante Gouveia e Melo, de resto, os que me parecem reunir mais possibilidades para conquistarem os votos do grosso dos portugueses. São também os que não têm, pelo menos para já, o apoio expresso de qualquer partido. Um outro candidato, Luís Marques Mendes, com apoio declarado do Partido Social Democrata, tem estado de férias ou então a aguardar melhor oportunidade para intervir.


 

O assunto que tem feito parte do alinhamento dos diferentes noticiários e também das intervenções dos candidatos tem sido os incêndios. Sobre isto, os dois primeiros candidatos têm-se pronunciado regularmente ao longo do tempo, ao contrário de Marques Mendes que, talvez por ter apoio do principal partido do Governo, parece estar, como este, a jogar à defesa. Se Marques Mendes tem críticas a fazer sobre a gestão dos incêndios, certamente está a evitar fazê-las para não ferir susceptibilidades. Pode até justificar que só depois é tempo para análises, mas são desculpas de quem não deseja incompatibilizar-se com os que o apoiarão na campanha eleitoral. Seguro e o Almirante, mais livres, têm criticado algumas vezes, com equilíbrio e responsabilidade, a forma como o Executivo tem lidado com o flagelo dos fogos.


 

Já o disse aqui, e reitero, que considero Seguro o melhor candidato, aquele que me dá mais segurança e esperança para o exercício do cargo presidencial. Admito que seja difícil a esperança tornar-se realidade na relação entre seres humanos. Quando dizemos que esperamos isto e aquilo de alguém, queremos significar que acreditamos mesmo no que aí virá, na concretização de uma promessa, mas também o dizemos quando temos dúvidas de que alguém cumpra: fizemos a nossa parte, agora esperamos que ele ou ela cumpra!… Podemos não estar convictos de que alguém cumpra a palavra dada, mas chamamos a esperança por causa do desejo ou interesse no cumprimento de alguém. Mau grado esta limitação, acredito que Seguro será o mais fiável e confiável dos candidatos conhecidos.


 

Apesar disso, considero que na última semana o candidato mais incisivo foi Gouveia e Melo. Na verdade, este candidato pôs o dedo na ferida, que é grande e profunda, ao detalhar, com razoável clareza, os diferentes aspectos que têm a ver com a problemática dos incêndios. Desde logo, a questão da coordenação. Para ele , “as linhas de comando e controle devem ser fluidas, simples e directas […] Quando demasiado complexas […] não funcionam e quando não funcionam, acontece o que estamos a ver hoje todos nós portugueses”. Lapidar. Defendeu também que o flagelo não se resolve enquanto não se reflectir sobre a gestão da floresta a médio/longo prazo: “Não podem ser acções para escapar à pressão mediática”. Efectivamente, o que tem acontecido é que os governos tendem a adiar as declarações sobre os incidentes para depois dos fogos e nessa altura dizerem que vão estudar e tomar medidas que, regra geral, não serão elencadas, e mesmo que o venham a ser servem apenas para tranquilizar os cidadãos e não resolver de vez e com a profundidade necessária o problema. O candidato explanou ainda mais a sua perspectiva, propondo a criação de “uma economia para a floresta para ela ser rentável”, a valorização do interior (“dar uma outra importância ao interior”) e uma outra forma de “prevenir” e “combater” os incidentes. O Almirante entende finalmente que as medidas devem sair do papel, ser implementadas, e depois objecto de uma avaliação sistemática, ano após ano, para que o país não seja apanhado desprevenido.


 

Pôr o dedo na ferida pode não bastar. Mas, se houver quem insista e depois volte a insistir, ser teimosamente impertinente, talvez o problema perca importância e dimensão.

Luís Martins

Luís Martins

26 agosto 2025