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Os meninos que não sabem onde vão nascer

No tempo em que eu nasci, regra geral, as Mães davam à luz em casa, a não ser que as coisas corressem mal. E lá em casa era assim que acontecia. Até que o Albino, desde cedo rapaz de muito apetite, quis encontrar-se com os Pais e irmãos e experimentar a vida fora da redoma materna. Era já o sétimo, de treze, que nascia em casa, mas ele e a Mãe foram receber cuidados ao então Hospital de São Marcos. No registo de nascimento do meu sexto irmão ficou Tadim como local de naturalidade. Afinal, foi aí, numa modesta casa do Lugar da Estação, junto à estrada municipal n.º 562, que se desprendeu do cordão umbilical. Eram tempos em que não existia a linha SNS 24 e não era preciso que a ambulância esperasse a vez. A entrada era imediata, sem cerimónia ou interrogatório. Havia sempre vaga e as urgências funcionavam em permanência. Os bombeiros não precisavam de perguntar, numa qualquer emergência ginecológica ou obstétrica, para que hospital seria encaminhada a mulher ou a grávida. As crianças tinham, de verdade, a naturalidade da residência da mãe ou do hospital onde nasciam.


 

Hoje, a realidade é outra. São cada vez mais as crianças que têm naturalidade diferente da residência da mãe. Dir-se-á que ainda bem, que no hospital sempre haverá mais segurança do que em casa e, no caso de alguma complicação, mãe e bebé estarão no lugar certo para uma intervenção mais especializada e pluridisciplinar. Só que hoje a grávida não sabe em que hospital será atendida ou se será atendida, o que lhe provoca uma enorme ansiedade durante a gestação. Além disso, há relatos de nascimentos em ambulâncias quando as grávidas são levadas para hospitais mais ou menos distantes da sua residência e ficam sem tempo para chegar ao destino. Infelizmente, há ainda conhecimento de uma parturiente que deu à luz na rua por descoordenação na linha SNS 24. Há meses que o governo não consegue resolver o problema das urgências hospitalares e, enquanto isso, os bebés vão continuar a não saber onde vão nascer. E nos seus registos de nascimento há-de escrever-se uma naturalidade que não tem nada a ver com a morada da mãe ou do hospital mais próximo. Ainda bem que não se pormenorizam as circunstâncias nem os estranhos locais de nascimento nos casos, cada vez em maior número, que fogem ao normal.


 

2. A realidade dos incêndios confirma que há trabalho que não foi feito. A montante do combate é preciso fazer o que sempre se promete e se esquece logo que chega a chuva, como se esta acabe em definitivo com os problemas. Isto diz bem da situação actual. Além do mais, os governantes não se querem só nas inaugurações, nas finais da nossa selecção de futebol e noutros momentos de alegria e vaidade nacional. Deviam, por definição, estar nas coisas difíceis. E certamente junto daqueles que perderam tudo com a tragédia, como com os que combatem até à exaustão, de dia e noite dentro. Não basta que digam isto e aquilo, que vão agravar as penas aos pirómanos e aumentar a capacidade aérea de combate. Estar em missão exige outro comportamento, outra responsabilidade, exige até sacrifícios. Servir é isso, disponibilizar-se aos outros mais do que o cidadão comum, despir-se até de direitos que a este não podem ser negados. É indesculpável, ainda que precisasse de descansar, que Montenegro tenha sido visto na farra ou a comemorar em qualquer festa, enquanto se viam bombeiros prostrados e populações em choque. Absolutamente lamentável! E não se culpe a comunicação social, que fez o que lhe competia. A que propósito é que os jornalistas deviam esconder o que se estava a passar?


 

O primeiro-ministro cancelou tarde demais as suas férias. Deveria ter estado perto dos incêndios. Não, ninguém o queria acusar de incendiário, mas que percebesse o quanto o seu governo deveria ter feito e não fez. A experiência é mais de metade da solução e, se fosse o caso de estar perto, beneficiaria de melhores condições para decidir bem e com celeridade. Assim, vai ter que ouvir o que outros, que também não viram, lhes vão dizer e aconselhar. Será que não sente vergonha de ter sido apanhado a gozar férias enquanto tantos bombeiros, forças de segurança e tantos outros cidadãos anónimos mediam forças com o fogo e arriscavam a vida?

Luís Martins

Luís Martins

19 agosto 2025