Há muita coisa de que me arrependo na vida.
Mas sobre uma decisão que tomei o remorso nunca me visitou: ter dito «sim» ao Senhor quando me escolheu para ser padre.
Não fui eu que O escolhi; foi Ele – que na Sua infinita bondade e insondável compaixão – me escolheu (cf. Jo 15, 16).
A mim que, sendo gago profundo, teria uma miríade de contra-indicações para não merecer tal chamamento.
Acontece que, hoje como ontem, Deus não escolhe os capazes; prefere capacitar os escolhidos.
É a Sua força que supre a nossa fraqueza; é a Sua presença que preenche o nosso vazio.
É por isso que, sem Deus, não somos nada (cf. Jo 15, 5).
É por isso que, com Ele, conseguimos tudo (cf. Fil 4, 13).
Cedo percebi que ser padre é antes de mais estar com Jesus, entregar-se a Ele, deixando que seja Ele a fazer tudo em nós.
Um sacerdote que está perto de Jesus está perto das pessoas. Elas sabem – como anotou Robert Michel – que «um sacerdote que reza é um sacerdote que ama».
Rezar não é outra coisa senão fixar o nosso olhar em Jesus, enamorando-nos por Ele, sorvendo o Seu amor.
E é esse amor que transportamos às pessoas; a todas, às que o merecem e às que, não o merecendo, mais precisam dele.
A um jovem padre, vacilante na vocação, o velho pároco foi cortante: «Tu não rezas o suficiente. Sofres mais do que rezas. E precisamos de rezar na proporção das nossas dores» (George Bernanos).
A ilação é óbvia: quanto mais sofremos, mais precisamos de rezar, de estar com Jesus.
Entre as tribulações do mundo e as consolações de Deus, é um privilégio inaudito – até porque totalmente imerecido – poder celebrar todos os dias a Eucaristia.
Nela, «todos os dias subo até ao Calvário com Cristo e todos os dias morro com Ele na Cruz» (Robert Michel).
Não há dia nenhum em que não me surpreenda: como é que o Senhor me escolheu para Seu sacerdote, a mim, filho de uma remota aldeia sem menção em qualquer roteiro?
Porque é que Ele pousou os olhos em mim, tão insignificante e indigno?
Em cada manhã e no declinar de cada dia, fico simplesmente maravilhado e sumamente reconhecido.
Deixei de contar comigo por saber que Ele está sempre em mim. As minhas fragilidades não contam. Só Ele conta, só Ele basta. Há 36 anos. E até quando Ele quiser!