Não há muito tempo, alguém afirmou que «Portugal não é um verdadeiro Estado de direito, porque há intocáveis, e porque vigora a lei do mais forte e do mais rico».
Face ao que se tem verificado, em inúmeras situações que são do conhecimento público, sou levado a acreditar que, efetivamente, é mesmo assim.
Numa sociedade mais justa, em que deveria imperar a igualdade no julgamento e na atribuição de punições, não raras vezes, verificamos que pessoas que exercem alguns cargos podem violar as normas e quebrar as regras, sem tantas consequências quanto as pessoas de menor poder.
Os líderes políticos, convenientemente, resistem às mudanças necessárias, e a população, em geral, é demasiado conformista, pelo que iremos continuar a assistir a muitas e muitas situações em que nos deparamos com tratamentos desiguais.
Com efeito, o Secretário de Estado do Desporto desencadeou um inquérito ao presidente da Federação Portuguesa de Judo, através do IPDJ (Instituto Português da Juventude e Desporto), e que resultou na perda de mandato do presidente e da direção. Quanto a isto, nada a referir.
No entanto, e perante a prática de irregularidades e suspeitas de crime fiscal na fórmula encontrada pela Federação Portuguesa de Futebol para pagar os ordenados ao selecionador nacional, e à sua equipa técnica, que implicou a fuga ao fisco e à Segurança Social, será que o Secretário de Estado do Desporto vai ter o mesmo procedimento que teve para com a Federação de Judo? Penso que não, precisamente porque, como sabemos, o futebol tem muito poder, e, tal como indicado no início, há em Portugal cargos que são intocáveis.
O futebol tem um poder único, une as pessoas, tem uma enorme influência junto das populações, e pode e deve ser utilizado para causas que contribuam para a diminuição de desigualdades e sobretudo o respeito pelos direitos humanos.
Toda esta polémica que envolve o mundial do Qatar não aconteceria se existissem no topo das principais Instituições pessoas de bem, corajosas, com sentido de missão, e que estabelecessem como prioridades a ética e a honestidade.
Ao contrário, vemos que, a cada dia que passa, mais provas existem de que tudo é condicionado pelo dinheiro e pelo poder, todos estamos numa cavalgada desenfreada pelo interesse próprio, olhando somente para o nosso umbigo, pouco ou nada preocupados com a dignidade humana, com a liberdade humana, com o bem-estar dos demais, no fundo, com as consequências dos nossos atos. E são as Instituições mais poderosas, e que deveriam assumir um papel central e aglutinador nesta luta, as que mais desigualdades promovem, as que mais caos geram, as que menos se interessam pelo bem geral. E falamos de Instituições milionárias, para as quais o dinheiro não é nem nunca será um problema.
Temos, todos, de assumir papéis mais ativos e audíveis no combate a esta realidade. E é com as nossas decisões, com as nossas opções, que o podemos e devemos fazer. Como se de um voto se tratasse. Afinal, unidos somos muitos.
Autor: João Gomes