O desastre que se deu na Calçada da Glória, em Lisboa, com o descarrilamento de uma carruagem do elevador, levantou uma série de apreciações, todas em regime de opinião sem fundamentos, mas justificáveis pela pressa que sempre há em comunicar uma coisa destas. Depois verificou o senso comum que foi um cabo que rompeu devido à fadiga do material. Se fosse um enfermeiro ou médico que falhasse na sua prestação, diríamos que estava em burnout, isto é, falhou devido à fadiga do trabalho. Mas em engenharia diz-se fadiga do material. Só que em fadiga de pessoas conhece-se pelo rosto o cansaço, e isso é coisa que não pode ser ou estar escondida. Com o cabo que ligava as duas carruagens do elevador, o cabo estava fatigado no trambolho e aí era impossível avaliar-se da sua durabilidade e prestativo. Assim se procurou culpar o presidente da Câmara de Lisboa porque imagine-se era ele o responsável por tudo até pela saúde do cabo. E outros vieram tornar pública a opinião da responsabilidade política. Mas, esclareçam-me se puderem: pode haver culpa sem culpado? No nosso fraco entender, que é sabedoria de pensamento lógico, julgo que onde não há intervenção não há culpa, só se disser que o sr. Presidente da Câmara de Lisboa tivesse a obrigação de puxar pelo cabo a ver se ele resistia ao poder da tração, e o não tivesse feito. O que nos ficou na consciência é que estas Excelências parecem mais um polícia à procura de um culpado do que um juiz independente e frio; afirmar senão sobre factos é uma coisa séria; elaborar pensamentos em suposições é metafísica. Mas deixemo-nos de urdir fantasias porque estamos muito empenhados em renegar toda e qualquer filosofia demagógica. E os factos falam por si: não houve desinvestimento no elevador da glória, não houve falta de inspeção protocolada, não houve falha do condutor, não houve falha nos carris. Houve falha nos travões, mas sabia-se que, em princípio, eles não eram suficientes para deter uma carruagem em marcha. Mas isso é culpa de quem? Certamente de todos e de ninguém, que é a mesma maneira de dizer que não existem responsáveis diretos numa causa indireta. Agora se andamos em democracia à procura de migalhas para culpar os que não têm culpa, na verdade, não é esta a democracia que eu canto. Para onde vai ela por caminhos ínvios?