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O Império das Sombras

 

O Império das Sombras é um livro que, juntamente com o Doutor Aurélio Oliveira, tive a honra e o prazer de apresentar, no passado dia 14, na Biblioteca Comendador Sousa Lima, em Prado. O seu autor é Fernando Pinheiro, nascido em Barcelos, em 1949, e agora a residir em Braga. Licenciado em Direito e em Estudos Superiores Especializados em Teatro na Educação, é detentor de um percurso literário amplo, entre o teatro, a poesia, o ensaio, o conto e a ficção. 

Do enredo desta obra, emergem dois jovens de Lisboa, Rodrigo e Verónica, que, em pleno século XVII, dão corpo a uma aventura amorosa, em tempos marcados pela Inquisição e pelo domínio de Espanha, que se estendeu entre 1580 e 1640. Rodrigo Góis, o protagonista, junta-se a outros nomes para lutar contra as sombras em que Portugal se encontrava mergulhado. Patriota, jesuíta e advogado, priva com os militares que levaram Portugal a vencer a Espanha na Guerra da Restauração; assimila a cultura humanística de grandes figuras do pensamento moderno, como Tomás Moro e Erasmo de Roterdão, bem como o pensamento de novos teólogos, de que o Padre António Vieira é um notável exemplo.

Ao terminar a leitura deste livro, chega-se, desde logo, à conclusão de que as figuras históricas e reais dão profundidade e credibilidade à narrativa; a combinação de Inquisição, opressão política e guerra tornam o ambiente tenso e fascinante, próprio das sagas históricas em que predomina o perigo e a intriga; o amor entre Rodrigo e Verónica, interessante e cheio de obstáculos, desperta o interesse do leitor. 

Sendo um romance histórico, o livro situa-se na senda de tantos outros (vêm-nos à mente, de imediato, O nome da rosa, de Umberto Eco; e Memorial do Convento, de José Saramago) e em nada lhes fica a dever. Que é um bom romance, não há dúvida, visto que o autor trabalha muito bem as ferramentas da mecânica narrativa (a trama, as personagens, o espaço, o tempo, etc.), bem como os ingredientes que tornam a narrativa apetecível: a intriga, a ironia, as analepses e prolepses... Também não há dúvida de que se trata de um romance histórico, em virtude da tensão entre a ficção e a realidade; da recriação do contexto histórico (época, costumes, linguagem, mentalidades, factos e personagens); da liberdade criativa; do equilíbrio entre a linguagem arcaica, para evocar a época, e a clareza moderna (para manter a leitura fluente), com o desafio de fazer o passado soar autêntico, sem ser artificial.

Na verdade, o romance histórico não precisa de reproduzir fielmente todos os eventos, mas transmite uma verossimilhança, isto é, a sensação de que, “se não foi, poderia muito bem ter sido assim”. Não sendo um tratado de história, pauta-se pela liberdade, pois o autor cria personagens, modifica acontecimentos e até preenche lacunas com a sua imaginação, uma liberdade que serve a coerência interna da narrativa, mas sem contrariar o espírito da época. 

Selecionando factos, interpretando acontecimentos e construindo um discurso sobre o passado, o romance histórico revela a natureza narrativa da própria história. A mistura de personagens históricas com ficcionais permite humanizar os grandes acontecimentos, dar voz aos anónimos e mostrar a história “a partir de dentro”, pelos olhos de quem a viveu. Falando do passado, este género de romance não deixa de falar também para o presente, pois a escolha de uma época específica pode servir para comentar problemas atuais, questionar mitos nacionais ou refletir sobre a identidade coletiva.

Encontrei tudo isto neste romance de Fernando Pinheiro, que li com muito agrado e proveito. Apesar de ser um romance, aprendi nele mais história sobre a Inquisição e a restauração da independência do que nos manuais em que estudei a História de Portugal.

Com uma boa disposição gráfica, este livro apresenta uma linguagem rica e variada, uma gramática correta, um estilo apurado e uma prosa viva, limpa e envolvente que, por vezes, chega a ser arrebatadora. Além disso, o enredo, vasto e complexo, é tão interessante que o leitor se sente impelido a conhecer as “cenas dos próximos capítulos”. 

Se há vidas que dão um romance, a vida de um povo dá, por força, muitos romances. É neste horizonte que este romance histórico inscreve o seu direito de cidadania na pátria da história. Bem fundamentado, é uma forma simpática de fazer história e de nos dizer que, se toda a vida é história, a narrativa da vida também o é. Este livro é, em meu entender, uma boa e feliz ilustração do que acabo de afirmar.


 


 

* Professor na Faculdade de Teologia – Braga e Pároco de Prado (Santa Maria)


 

Pe. João Alberto Sousa Correia

Pe. João Alberto Sousa Correia

24 novembro 2025