A celebração dos 15 anos da Comunidade Intermunicipal do Cávado (CIM Cávado) foi marcada, em novembro de 2023, pela inauguração das obras de remodelação do Recolhimento da Caridade.
Passado dois anos dessa data, percebemos que esse evento não foi um mero marco administrativo, mas o reconhecimento de uma jornada de recuperação e a reafirmação da vocação de um edifício que, ao longo de séculos, se tem dedicado ao serviço comunitário de Braga e dos seus municípios vizinhos.
Olhar para este património é revisitar a sua notável história e, simultaneamente, no meu caso particular, honrar uma ligação de mais de dez anos com ele, desde os tempos em que era técnico da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N).
A história do Recolhimento da Caridade remonta a 1768, ano em que foi fundado pelo escultor bracarense António Pinto de Araújo – cuja arte se pode admirar, por exemplo, nas magníficas estátuas dos quatro evangelistas na Igreja de São Paulo- ao qual se juntou a casa do Fidalgo Real Manuel da Silveira.
Com o objetivo de recolher e educar meninas órfãs ou pobres, conferindo-lhe uma vocação essencial de amparo e educação, acredito que essa mão invisível tocou na alma da CIM Cávado.
A vocação original do Recolhimento da Caridade pode ter sido a força silenciosa que levou a nossa entidade intermunicipal a ser pioneira nas questões relacionadas com a Igualdade de Género.
Trabalhamos de forma articulada a conciliação da vida familiar com a vida laboral dos colaboradores de todos os nossos seis municípios e, hoje em dia, assumimos, em articulação com instituições da sociedade civil, um gabinete intermunicipal de apoio a vítimas de violência doméstica.
A evolução do Recolhimento na era intermunicipal
O Recolhimento da Caridade, hoje, mantém o seu original propósito de serviço, elevando-o à escala da coesão e do apoio social intermunicipal, tal como no passado.
A minha ligação especial a este património remonta a 2015, quando, enquanto técnico superior na CCDR-N e afeto as funções de apoio ao Vogal Executivo do Programa Operacional Regional do Norte 2020 tive a sorte de conhecer o Recolhimento da Caridade e a sua história.
A narrativa que me foi apresentada, pelo então Secretário Executivo da CIM Cávado, envolvia pormenores deliciosos sobre o declínio e abandono do edifício, a sua recuperação no século passado e toda uma história de resistência e afirmação do poder local – por via da Associação de Municípios do Vale do Cávado, Grande Área Metropolitana do Minho e, atualmente, da CIM Cávado - que aqui foram forjadas e que tantas políticas públicas e impacto geraram a partir daqui.
Mas o verdadeiro despertar para a importância deste património, porém, deu-se com o meu regresso à CCDR-N, onde, tendo tido a oportunidade de trabalhar no Recolhimento da Caridade, quis a providência, por certo divina, ter sido colocado num posto de trabalho em frente ao arquiteto Teotónio dos Santos.
Para quem desconheça, foi ele o arquiteto responsável pelo projeto de arquitetura que recuperou o Recolhimento Caridade nos anos noventa do século passado e, mais recentemente, pela sua adaptação no âmbito das obras que deram lugar ao Work@Cávado na, agora apelidada, ala 31/33.
E mesmo essa adaptação tem, como tudo o que envolve o Recolhimento da Caridade, uma história marcada por abnegação, voluntarismo e até alguma ousadia iniciada em 2021.
Após anos de abandono dessa ala 31/33, um grupo de colegas da CIM Cávado, de forma perfeitamente voluntária, e em alguns casos, fora do seu horário de trabalho, dedicaram-se a limpar aquele espaço, mitigar os danos existentes - quer internos, quer ao nível da claraboia e telhado - num esforço de voluntarismo e espírito de equipa típico de uma qualquer moderna sessão de team building.
Foi no Natal desse mesmo ano que a CIM Cávado recebeu, com muita alegria, o primeiro despacho de afetação do Recolhimento da Caridade para sua utilização, por via da Direção Geral do Tesouro e Finanças, e que se viria a concretizar, em 2025, com a Resolução de Conselho de Ministros que autoriza a permuta do Palácio dos Biscainhos por diversos imóveis, entre outros, pelo Recolhimento da Caridade.
Como não há duas sem três, e de forma perfeitamente espontânea, depois da limpeza, depois da afetação, veio o financiamento por via do Plano de Recuperação e Resiliência.
O reduzido montante de 127.000,00 euros - atribuído para a concretização do Work@Cávado – foi a alavanca necessária para um contributo adicional e superior a 200.000,00 euros assegurado pelos nossos 6 municípios.
Foi graças à confiança e apoio incondicional do Conselho Intermunicipal e dos seus seis Presidentes de Câmara que tendo percebido a importância, necessidade e entusiamo deste projeto de requalificação, o permitiram concretizar.
Um futuro com responsabilidade
A lição que retiro do passado, e desta experiência, e que deve guiar a visão para o futuro, é que o Recolhimento da Caridade deve assegurar, integralmente, a sua vocação de servir a sub-região e o Minho, garantindo que este património não se limita a ser um mero ponto administrativo, mas sim um polo de gestão, coesão e desenvolvimento intermunicipal.
O desafio agora é assegurar uma intervenção futura que unifique o aspeto arquitetónico de todas as alas, mantendo sempre a certeza de que quem constrói as instituições e concretiza os projetos são as pessoas, neste caso afetas ao poder local, e que o Recolhimento da Caridade continue a ser, por muitos anos, um símbolo da coesão e do futuro da sub-região e do Minho.