twitter

Por Entre Linhas e Ideias

Afinal, para que serve o medo? Há emoções que tentamos disfarçar, mas poucas são tão antigas e persistentes como o medo. O medo, tal como o sinto e compreendo, é inato, nasceu connosco e existe desde muito antes de aprendermos a dar-lhe um nome. Gosto de recuar aos primórdios da civilização ocidental e perceber que, na mitologia grega, esta sensação era representada por Fobos e Deimos, que, por curiosidade, deram nome às duas luas de Marte, filhos de Ares, o deus da guerra, e de Afrodite, a deusa do amor. Tornaram-se símbolos do medo e do pânico e acompanhavam o pai nas batalhas, conduzindo o seu carro de guerra e espalhando terror e confusão entre os inimigos. Estas antigas narrativas continuam a fascinar-nos e revelam uma verdade insofismável, o medo é a voz silenciosa da nossa fragilidade e o preço que pagamos por sabermos que somos vulneráveis.

Caros leitores, talvez seja agora o momento de escutarmos o que a filosofia tem a dizer sobre o medo. A filosofia procurou compreendê-lo não como sinal de fragilidade, mas como parte da nossa natureza racional. Aristóteles, na Ética a Nicómaco, refletiu sobre o valor da coragem e escreveu que “o homem corajoso é aquele que teme o que deve temer e enfrenta o que deve enfrentar”. Para ele, a virtude está sempre no meio-termo, e a coragem nasce desse equilíbrio entre o medo e a temeridade. A verdadeira coragem não elimina o medo, reconhece-o e age apesar dele, porque agir sem consciência não é coragem, é imprudência.

Depois de Aristóteles, encontro nos estoicos uma visão que sempre me tocou pela sua lucidez e serenidade. Para eles, o medo é uma perturbação da alma que nasce da antecipação de um mal futuro, o que significa que sofremos não pelo que acontece, mas pelo que imaginamos que poderá acontecer. Os três estoicos romanos mais famosos, Epicteto, Sêneca e Marco Aurélio ensinam que o medo se vence não pela negação, mas pela razão, reconhecendo o que está sob o nosso controlo e o que é exterior a nós. Sempre senti que há uma grande sabedoria nesta ideia de aceitar os limites daquilo que podemos mudar, porque é nesse reconhecimento que começa a verdadeira liberdade interior.

Mais tarde, encontro em Espinosa uma reflexão que promove esta compreensão. Na sua Ética, escreveu que “não há esperança sem medo, nem medo sem esperança”. Gosto particularmente desta frase porque ela revela o entrelaçar das duas forças que nos movem. O medo e a esperança são irmãos pois o primeiro diz-nos do que pode correr mal, o segundo convida-nos a continuar. Penso que talvez seja esta relação que precisamos entender, a de não deixar que o medo aniquile a esperança, nem que a esperança ignore o medo.

Em Martha Nussbaum, pensadora norte-americana e uma das mais influentes da filosofia contemporânea, encontro uma reflexão que prolonga e aprofunda todas as anteriores. A filósofa explica que o medo nasce da nossa vulnerabilidade e da consciência de que o outro nos pode ferir. Lembra-nos que o medo pode ser também uma emoção social e política, usada para dividir ou manipular. E quando o medo se instala nas instituições, nas escolas ou nas famílias, transforma-se em poder. Talvez por isso seja tão importante falarmos dele, trazê-lo à luz, compreendê-lo e, acima de tudo, enfrentá-lo com serenidade. 

É quase já tradicional nas nossas crónicas trazer à colação a literatura e o cinema. Quando li pela primeira vez o Drácula, de Bram Stoker, percebi que o verdadeiro medo não está nos dentes do vampiro, mas no que ele representa. Drácula é o estrangeiro, o outro que vem de fora e encarna o medo do desconhecido que as sociedades ainda transparecem nos dias de hoje. Considero que é precisamente por isso que o medo é tão pedagógico, porque revela o que tememos e, ao fazê-lo, mostra o que ainda não compreendemos.

Por tudo isto, o medo é, afinal, o início de toda a sabedoria e não existe educação verdadeira sem a sua aprendizagem. Convido os leitores a revisitarem a sua própria caixa de medos, feita das inseguranças que ainda não tiveram coragem de abrir. Fica, para esta semana, uma pergunta que talvez nos convide a espreitar o que se esconde dentro dessa caixa.


 

Que parte de nós continua a esconder-se por detrás do medo?

Eugénio Oliveira

Eugénio Oliveira

12 novembro 2025