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E se valorizássemos a hesitação?

Dominados pela pressa, até o pensamento está desprotegido do fluxo da velocidade. A psicologia já detetou os efeitos – nada salutares – deste SPA: Síndrome do Pensamento Acelerado.

É, na verdade, em função dele que muitos decidem e (re)agem. Com aplauso, quase sempre, assegurado.



 

Pelo contrário, a ponderação é instintivamente estigmatizada como hesitação. Quem aprecia, por exemplo, um líder hesitante? 

Será que os aclamados líderes determinados – com despachos a toda a hora e resoluções para todos os problemas – tomam as opções mais sensatas e as deliberações mais acertadas?



 

Perante este cenário, pode parecer provocante a defesa que Elias Canetti faz do «conhecimento hesitante».

No entanto, sem hesitação, o mais certo é haver precipitação. E da queda num precipício é quase impossível haver regresso e, consequentemente, recomeço.



 

Refratários à espiritualidade, habituámo-nos sobretudo a contabilizar sem critério. Funcionamos no padrão do êxito e do fracasso, da vitória e da derrota.

Acontece que o espírito — como reparou Byung-Chul Han – «hesita e espera e até pode recuar».



 

O espírito admite que não se acerta sempre e está disponível para corrigir. Numa sociedade cada vez mais fraturada, esta é a única via promissora, capaz de instalar a mudança que falta.

Efetivamente, mesmo quando «juntos», estamos a tornar-nos cada vez mais «disjuntos». Os países, as cidades, as aldeias e até as famílias propendem a erguer fraturas que dificilmente são superadas.



 

Porque é que quem está na oposição não pode ser mobilizado para se colocar também à disposição?

Nas escolhas que faz, o povo não elege executores e opositores; seleciona representantes para se envolverem – todos – na execução do bem comum.



 

A oposição não pode ser exercida por dentro? Tem de ser – necessariamente – fator de rutura e de irreconciliação?

Muitas vezes, uma posição dissonante não bloqueia, antes acrescenta. Terá sido em vão que Miguel de Unamuno exarou que «nada nos une tanto como as nossas discordâncias»?



 

Importa perceber que o progresso é uma obra comum que provém de perspetivas diferentes.

Neste sentido, uma vitória nunca pode ser contra ninguém, mas sempre por alguém.



 

Precisamos, pois, não de eficácia na acção, mas também de uma «poética» na vida. E, em conformidade, não podemos deixar-nos conduzir somente pelo óbvio, pelo imediato.

Daí que, na hora de tomar decisões, seja avisado enveredar pelo «conhecimento hesitante». Ele pode levar-nos a sorver a importância do que vem do «outro lado».



 

É hora de poetizar a vida e, concretamente, a política. Integrar uma posição alheia não nos menoriza. Simone Weil alertou-nos para a pior escravatura: «a escravatura de si mesmo». 

A hesitação desponta, assim, como uma forma de crescimento. Porque espera pelo outro, porque não age sem que se faça ouvir a voz do outro!

João António Pinheiro Teixeira

João António Pinheiro Teixeira

4 novembro 2025