A propósito da designada nova “lei dos estrangeiros”, ficamos com a sensação de que o fluxo que vivemos de imigrantes se traduziu numa desconexão entre as necessidades do país e a dos imigrantes, quando era suposto haver uma conciliação de ambos os lados e não apenas de um.
Fala-se já em cerca de um milhão e seiscentos mil imigrantes. Pode ser bonito ver o país cheio de sotaques, cheiros e cores diferentes. Mas há que questionar se a imigração que recebemos não derivou de políticas improvisadas que não estão a servir o país. É que esta imigração, embora traga diversidade cultural e potencial humano, expõe um paradoxo: as empresas continuam a queixar-se de falta de mão de obra. Mas como, se o país nunca teve tantos imigrantes e, ainda assim, não há quem, em suficiente número, colha fruta, levante paredes ou trate doentes, para além da termos uma carga sobre os centros urbanos do litoral, acentuando a assimetria com o interior desertificado.
O problema esteve na ausência de uma política de imigração articulada com um diagnóstico claro das áreas em que há escassez de trabalhadores.
Fizemos da imigração uma espécie de fé. “Venham todos, depois logo se vê.” E Viu-se mesmo: o SNS tem seis vezes mais imigrantes do que em 2017, sem que os hospitais tenham mais camas ou médicos. A habitação tornou-se uma corrida para ver quem encontra um quarto ou temos casas atafulhadas de pessoas, os serviços públicos definham. E a integração – essa palavra bonita que enche relatórios – quedou-se sem políticas públicas consistentes à avalanche.
Nós não preparamos o país para esta torrente desestruturada e irrefletida, com consequências negativas para todos e para a própria dignidade dos que devemos acolher bem.
Há quem diga: “Nós também emigrámos, vivemos em barracas nos anos 50 e 70 – os bidonvilles em França. É verdade, mas repetir o erro não é prova de empatia, é sinal de amnésia. O mal de ontem não pode ser o modelo de hoje. Se nada aprendemos, a história não se repete, atropela-nos.
O problema não está em acolher, está em acolher mal. Portugal não precisava de mais advogados (são já 13% os brasileiros nesta atividade), mas precisava de médicos no SNS, mas apenas demos guarida a 2% a oriundos do Brasil!
Demos um sinal errado. Fruto de entradas massivas, desreguladas ou facilitistas, estrangulamos algumas das capacidades do país ao mesmo tempo que mantemos as mesmas necessidades de mão de obra.
Enquanto isso, a política pública fez de conta. Não houve um diagnóstico sério das áreas carenciadas. A imigração não foi articulada com as necessidades regionais ou sectoriais. É como abrir uma torneira sem saber se há balde. E depois ai, que há uma inundação!
Faltou uma emigração orientada para as áreas que, efetivamente, necessitávamos de mão de obra, pois continuamos a ter operadores da construção, da agricultura, hotelaria, têxtil e outros a reivindicar aquela, mas no entretanto temos mais milhão e meio de pessoas, a maior parte concentrada no território mais populoso. É porque tivemos uma política errada que permitiu a não alocação aos setores minguados, de pouco servindo a estes a imigração massiva.
Não era pedir muito, só planeamento. Mas por cá no tempo do abre portas a todos, planeamento era palavrão.
No fundo, a pergunta que ninguém quer fazer – e que importa mais do que todas as estatísticas – é esta: esta imigração interessou a quem ou quê?
Portugal sempre foi de portas abertas. O problema é que neste período que nos antecedeu, nunca soube, ou não quis saber, quem é que estava à porta, nem o que precisava cá dentro. E assim seguimos, entre a generosidade e a distração, promessas velhas e o eterno talento português de improvisar o futuro.
A imigração pode ser solução para problemas demográficos e económicos, mas só traz resultados sustentáveis se for gerida, estratégica e articuladamente, com o planeamento do país. Sem isso, corre-se o risco de manter um fluxo elevado de entrada, mas com impacto limitado nas áreas onde realmente é preciso reforço.