Já não bastavam os problemas que o Sistema Nacional de Saúde acarreta, sem que o Governo de Luís Montenegro dê um passo significativo que seja, e eis que a Ministra da pasta respectiva volta a causar confusão e perturbação no sector. Os problemas de fundo vêm de longe, é verdade, mas o actual e o anterior Governo prometeram resolver em duas penadas, coisa que não aconteceu. Em vez disso, os profissionais estão cada vez mais descontentes e uma dezena de milhões de mexilhões andam desconfiados e preocupados, já para não falar do milhão e meio ou mais de cidadãos que não são respeitados devidamente nos termos da Constituição, a Lei fundamental do país. As iniciativas do Governo na área da Saúde não têm passado de cosmética – e essa não é seguramente para o comum dos portugueses – a especialidade que para estes não é, de todo, prioritária.
Ao que nos foi dado conhecer, a Ministra Ana Paula Martins pretende alterar, a toda a força, como se estivesse aí a causa de todas as desgraças, o modelo de emergência médica, logo a denominação do serviço que nos atende em situações de gravidade. Tive a sorte de poder contar com a prontidão e a competência do serviço e só posso agradecer. As coordenações das viaturas de emergência dizem, confrontados com as intenções do Governo, que o modelo português de emergência médica, "que tem garantido qualidade, segurança e equidade na resposta pré-hospitalar", é o que "melhor serve os doentes" e que a sua substituição "por alternativas [...] alheias à nossa cultura clinica e ao nosso sistema, seria um erro grave, pago em vidas". Esta certeza, vinda de quem está no terreno e acumula uma experiência de décadas, devia fazer repensar o assunto. Certo é que os problemas não se resolvem, nesta área, como em qualquer outra, com o lançamento de bombas detonadoras nem com alterações de denominação.
Não se pode compreender, nem é aceitável, que haja experimentalismos perigosos, que ponham em causa a segurança e a saúde dos portugueses, seja a que título for. O Ministério da Saúde deve atender às propostas conjuntas de diferentes organizações de saúde que lhe foram submetidas e não querer protagonizar arrogantemente um modelo desfasado da realidade da cultura médica em Portugal e à revelia dos diferentes actores da saúde. Um Ministro da Saúde devia ser sensível aos argumentos destes actores, ainda que seja detentor de conhecimentos médicos.
A mudança da sigla INEM para ANEM será decisiva? A cosmética nunca resolve o problema. Pode ajudar a escondê-lo durante algum tempo, no entanto, mais cedo do que tarde, deixa de o conseguir, deixa de ser eficaz. Pode embelezar a situação, mas o tempo fará despontar com gravidade a agudez do problema. É que a realidade tem muito mais força e nenhuma cosmética pode ser considerada uma solução estrutural.
Em tempo: Desejo veementemente que quando este texto for publicado o Governo já tenha recuado em toda a linha. Recuar no que não faz sentido é que faz sentido, nunca é uma derrota.