“Mas porquê que não posso?” – pergunta o menino, com o telemóvel na mão e o olhar aflito de quem acredita que a recusa é injusta. A mãe hesita. Está cansada, tem de fazer o jantar, as notificações a vibrar, a culpa a latejar. E pensa: “para quê mais uma discussão?” – e cede.
Vivemos tempos em que o “não” se tornou quase uma palavra proibida. Pais que têm medo de traumatizar. Professores que se sentem desautorizados. Adultos que confundem afeto com permissividade e presença com ausência de limite.
E assim, cresce uma geração que não sabe lidar com o desconforto, porque nunca o experimentou verdadeiramente. A sociedade moderna, centrada no prazer imediato, esqueceu-se que a frustração é parte da aprendizagem. Tudo é imediato, descartável, substituível, desde os brinquedos às relações e emoções. Mas, todos precisamos sentir o desconforto para amadurecer, pois sem quedas ou limites, não construímos a nossa identidade.
O “não” é o primeiro educador emocional que uma criança encontra, pois quando um adulto diz “não”, está a ajudar a criança a perceber que o mundo não gira à volta dos seus desejos. Que há tempos, fronteiras e que esperar faz parte da vida.
Mas, quantos de nós aguentamos hoje o silêncio da espera?
O problema não está nas crianças. Está na pressa dos adultos. Na culpa que corrói, na falta de tempo, na solidão disfarçada de ocupação. Criámos uma geração de pais que têm medo de errar — e, com medo de errar, deixaram de educar. Sem autoridade, a infância perde o norte.
Na escola, se os professores tentam impor limites, são questionados e cada correção pode ser interpretada como uma forma de violência. O adulto tornou-se refém da necessidade de agradar e a criança, habituada a ser o centro, cresce sem espelhos, sem contradições, sem resistência.
A frustração ensina-nos que a dor tem medida e que o amor não se confunde com o “tudo pode”. É através dela que nasce a resiliência – esta palavra tão usada e tão esquecida na prática! Sem frustração, não há construção interna, mas apenas uma sucessão de desejos não educados, emoções não nomeadas e vazios não compreendidos.
O resultado é visível: jovens que não toleram o erro, que desistem diante da primeira dificuldade, que vivem em função da validação externa. Jovens que confundem crítica com rejeição e orientação com opressão. Vivem cercados de estímulos, mas carentes de sentido. Conectados com o mundo, mas desligados de si.
E não, não é uma geração perdida! É uma geração ferida por uma cultura que prometeu felicidade sem dor e liberdade sem responsabilidade. Mas a vida, essa professora sem filtros, continua a impor provas reais: perdas, atrasos, despedidas, incertezas. E quem nunca aprendeu a cair, não sabe o que fazer quando o chão desaparece.
Talvez o maior desafio da parentalidade hoje seja resgatar a autoridade sem perder a ternura. Educar é preparar alguém para viver em comunidade, para reconhecer o outro, para lidar com a diferença e com o tempo. Quando dizemos sempre “sim”, estamos a criar cidadãos frágeis, incapazes de sustentar o coletivo, de reconhecer limites próprios e alheios. Educar é preparar para o mundo real – e o mundo real não é sempre justo, não é sempre imediato, não é sempre doce. Mas pode ser belo, se aprendermos a caminhar nele com maturidade porque quem aprende a ouvir um “não” também aprende a dizer “sim” ao que verdadeiramente importa. E quem aprende a cair, aprende a levantar-se.