O desaparecimento de figuras como Francisco Pinto Balsemão e Álvaro Laborinho Lúcio, na semana passada, representa mais do que a perda de dois nomes marcantes da nossa história recente. Representa o desaparecimento de uma geração de referências morais e cívicas, que ajudaram a moldar a democracia portuguesa e a afirmar valores como a liberdade, a democracia, a justiça e o sentido de serviço público.
Homens como Pinto Balsemão e Laborinho Lúcio não precisavam de proclamar a sua integridade – viviam-na. Não precisavam de teorizar sobre a liberdade – praticavam-na, com coragem e com limites, entendendo que a liberdade é indissociável do dever, da ética e do respeito pelo outro.
Francisco Pinto Balsemão foi um homem de visão, coragem e compromisso com Portugal. Fundador do nosso Partido Social Democrata, serviu a causa pública com sentido de missão e dignidade, deixando uma marca indelével na política, na comunicação social e na democracia portuguesa.
Álvaro Laborinho Lúcio, antigo ministro da Justiça, magistrado e pensador humanista, dedicou a sua vida ao serviço público, à defesa dos direitos humanos e à valorização do papel da justiça como instrumento de dignidade e de solidariedade.
“O juiz é uma pessoa vulgar numa função invulgar” – esta sua frase, tantas vezes citada, sintetiza a sua visão ética e profundamente humana da magistratura.
No dia da sua morte, a UNICEF Portugal lembrava que Laborinho Lúcio “fez da justiça um espaço de humanidade e de compromisso ético”. “Como afirmou, ‘a justiça só é plena quando se põe ao serviço de quem mais precisa dela: as crianças, os jovens, os vulneráveis’”.
Vivemos hoje um tempo paradoxal. Nunca a palavra “liberdade” foi tão usada – e tão mal compreendida. Confunde-se liberdade com ausência de regras, com a imposição do eu sobre o coletivo, com o direito de dizer tudo sem ouvir nada. As redes sociais amplificaram esta confusão: a opinião tornou-se grito, o debate transformou-se em confronto e o contraditório passou a ser encarado como ataque.
Ora, as sociedades não sobrevivem sem referências que orientem o comportamento individual e coletivo. A liberdade sem referências degrada-se em ruído; a democracia sem exemplos transforma-se em ritual vazio.
É precisamente por isso que, no momento em que nos aproximamos de novas eleições presidenciais, esta reflexão se torna ainda mais urgente. O Presidente da República é, por natureza, a maior referência pública de um país – a figura que deve unir, inspirar e representar o que de melhor há em nós.
Mais do que promessas ou programas, o que se exige aos candidatos é exemplo: a capacidade de servir e não de se servir, de escutar o país antes de falar por ele, de ser voz de todos e não eco de uns poucos.
O desaparecimento de Pinto Balsemão e Laborinho Lúcio deve, por isso, servir-nos de espelho e de alerta. Recordar o seu legado é recordar que a democracia é um património frágil, que precisa de ser cuidado todos os dias, e que as referências não se fabricam — constroem-se com coerência, humildade e sentido de missão.
Com a partida de Francisco Pinto Balsemão e Laborinho Lúcio, o país perde mais do que duas personalidades: perde vozes que nos lembravam que a liberdade precisa de referências para não se perder no ruído.
Porque uma nação sem exemplos é uma casa sem alicerces – e a liberdade sem responsabilidade é apenas uma ilusão.
Que as novas gerações saibam transformar o legado recebido em compromisso com o futuro, assumindo-se como as referências que irão sustentar a democracia e inspirar o país de amanhã.