1. «O meu caso» é o nome de uma peça de teatro da autoria de José Régio.
Quando tudo está preparado para os personagens entrarem em cena um desconhecido consegue assaltar o palco, desejoso de ser ouvido e de narrar o seu caso, julgado de grande importância.
Isto faz desencadear outros casos – o dos intervenientes na peça e de quantos contribuíram para que se pudesse representar. Todos se sentem prejudicados com a teimosia do desconhecido renitente em deixar o palco sem que a narrativa do seu caso seja escutada. Todos procuram falar mas não se ouvem uns aos ouros.
O meu caso (de cada uma das pessoas) concentra a atenção do próprio e só a dele. Em relação aos dos outros, indiferença.
Que me importa a mim o seu caso, diz ao estranho um dos intervenientes. Quero lá saber do seu caso, exclama outro.
2. Vejo nesta peça o drama de muitos de nós. Desejamos que nos ouçam mas as pessoas a quem pretendemos expor o nosso caso não nos dão ouvidos, persuadidas de que o delas é o mais importante. Se pretendemos desabafar, surge logo a reação: se soubesses as dificuldades que estou a enfrentar… se estivesses no meu lugar…
Na minha perspetiva a peça de Régio é a condenação do egoísmo e do sacudir de mãos face aos problemas e às dificuldades dos outros.
Porque, para mim, as minhas dificuldades é que são verdadeiramente importantes, sobrevalorizo-as. O egoísmo impede-me de as relativizar e de atribuir a cada caso a dimensão que verdadeiramente possui. Fecha-me. Não permite que me abra aos outros. O que conta sou eu. O que existe é o meu.
3. Recordo um texto de Helen Keller onde se diz:
«Eu chorava
porque não tinha sapatos…
ate que um dia
encontrei um homem
que não tinha pés».
Comparado com o dos outros, o meu caso pode ser insignificante. E andar a dramatizar por causa da ferradela de uma pulga!...
4. Helen Keller (1880-1968) foi uma escritora e ativista social norte-americana.
Aos 19 meses de idade contraiu uma doença desconhecida diagnosticada como febre cerebral, que a deixou cega e surda. Com o apoio da educadora Anne Sullivan conseguiu romper o isolamento imposto pela quase total falta de comunicação. Formou-se em filosofia e lutou em defesa dos direitos sociais, em defesa das mulheres e das pessoas com deficiência. Foi a primeira pessoa cega e surda a entrar para uma instituição de ensino superior.
5. O texto que citei prossegue:
«Senhor,
quando eu tiver fome
dai-me alguém para alimentar;
quando eu tiver sede,
alguém para saciar;
e quando eu tiver frio,
alguém para vestir.
Quando eu estiver triste,
dai-me alguém para consolar;
e quando eu estiver por terra,
alguém para levantar.
Quando o meu fardo me pesar,
carregai-me com o dos outros,
e quando eu tiver necessidade de afeto
que alguém precise do meu».