Este pode parecer ao leitor um título demasiado inusitado para um texto acerca de mobilidade. Isso ficará para a nota final.
Sempre que há eleições e me desloco até à minha antiga escola para exercer o meu direito de voto, à nostalgia de uma infância passada junta-se a tristeza pela “modernidade” do presente. Passo a explicar: quando andava nessa escola, ela já era antiga e, cerca de duas décadas depois, foi finalmente reconstruída. Dessa reconstrução, além dos inúmeros melhoramentos, salta-me sempre à vista o parque de estacionamento. Aquilo que foi outrora espaço livre para as crianças, passou a ser um local para professores e funcionários estacionarem automóveis. Em vários países europeus há fortes restrições à circulação automóvel junto a escolas; em Portugal, pelo contrário, tiramos nas escolas espaço às crianças para estacionar carros. Fará isto algum sentido?
É para mim uma visão absolutamente distópica do futuro sair à rua e dificilmente ver crianças a brincar. As crianças terem deixado de usar o espaço público como local de convivência e brincadeira é um problema que atravessa boa parte das cidades ocidentais e que tem causas diversas: os pais e a sociedade desenvolveram uma cultura de medo e desconfiança da sua própria comunidade; o tempo de ecrã vai substituindo a brincadeira física; e o facto de as cidades modernas terem priorizado o transporte motorizado e o consumo tornou as ruas inseguras, com poucos espaços informais onde as crianças possam brincar espontaneamente. O que isto nos trará no futuro, e porventura já traz no presente, é uma sociedade sem aquele que deve ser o seu principal pilar: a empatia. Substituir espaço de recreio por estacionamento para automóveis é invadir aquele que é talvez o último reduto de espaço público das crianças e não promove em nada aquilo que uma escola deve promover.
* A ideia de regar campos agrícolas com bebida energética é relatada no filme Idiocracy (2006). Este filme é uma comédia satírica em que um homem comum acorda 500 anos no futuro e descobre que a humanidade se tornou extremamente ignorante, e onde, entre outras coisas, tem por hábito regar os campos agrícolas com bebida energética, levando à morte das plantas e ao colapso da agricultura.
