Aproximam-se as eleições autárquicas. No próximo dia 12 de outubro, milhares de portugueses terão nas mãos aquilo que, para muitos, se tornou um objeto de rotina democrática: o boletim de voto. Mas em tempos como os que vivemos, em que a informação deixou de iluminar para apenas baralhar, esse gesto simples adquire outra natureza: votar passou a ser, acima de tudo, um ato de resistência à confusão mediática.
A política local – essa que devia ser a mais próxima, a mais clara, a mais humana – é hoje soterrada pelo ruído. Ruído dos holofotes, ruído digital, ruído ideológico. Vivemos imersos num espaço público onde os factos perdem peso, as ideias perdem tempo e os argumentos perdem força. Resta o eco. Resta a espuma.
Enquanto isso, há município, cidades, concelhos de Portugal que decidem sobre milhões de euros, sobre equipamentos públicos, sobre a qualidade das ruas onde caminhamos, dos jardins onde respiramos, das escolas onde se formam os nossos filhos. Mas isso raramente chega à superfície das manchetes. A política local é, ironicamente, demasiado real para ser notícia.
Talvez por isso, muitos já tenham desligado. Ou pior: já nem distinguem informação de propaganda, análise de ruído, discurso de espetáculo. Votar, neste cenário, exige um esforço que poucos estão dispostos a fazer. É mais cómodo ceder à abstenção, disfarçá-la de desencanto ou cinismo e seguir viagem.
Mas deixemo-nos de ilusões piedosas: não votar é votar na continuação do que está. É permitir que o campo político fique à mercê dos mais organizados, dos mais barulhentos, ou dos mais cínicos. É um luxo a que uma democracia madura não se pode dar. Muito menos numa altura em que os media deixaram de filtrar e começaram a amplificar.
Numa sociedade onde a desinformação se disfarça de opinião, e a opinião se vende como verdade, o voto esclarecido é a única forma de travar o declínio da democracia pela via do ruído. Saber em quem se vota, porquê, com que programa e com que equipa, é hoje um exercício de lucidez cívica. Porque, sejamos claros: não se elege apenas um nome com um rosto – elege-se uma rede de decisores, um inteiro aparelho político-administrativo que tomará opções diárias em nosso nome no pós 12 de Outubro.
Num país em que se discute mais o post do candidato do que o orçamento municipal, torna-se imperioso recentrar o debate. Voltar a perguntar: que cidade queremos? Que freguesia queremos? Que liderança local queremos? E não menos importante: quem tem mesmo condições para cumprir o que promete?
Votar não é salvar o mundo. Mas é garantir que ele não se perde sem o nosso consentimento.
Por isso, neste início de Outono, devemos ter o gesto mais importante que ainda temos ao nosso alcance: votar com consciência, com exigência e com memória. Porque a democracia não desaparece com um flash. Desaparece aos poucos, no silêncio dos que se ausentam e no ruído dos que ocupam esse lugar.