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Dar corda às sapatilhas

Portugal é dos maiores produtores mundiais de calçado. Todavia, vemos muitas sapatarias a fechar, ou a redirecionar as vendas do sapato para a sapatilha. Esta, criada nos idos anos 50, passou a ter um mercado muito para além do sapato. Há tempos dei-me num espaço comercial a olhar para o calçado dos passeantes. Não me enganarei muito se disser que 90% usavam sapatilhas. Pergunto-me se a sapatilha não terá, ou está a ter, reflexo na estrutura produtiva do nosso calçado e na vertente comercial interna? O segmento dos sapatos tem vindo mesmo a cair nas exportações. A sapatilha, que era há algumas décadas calçado de jovens e, naturalmente, de desportistas, alcançou a sua época dourada. Lembram-se – afora os jovens – quando era apenas para o ginásio ou para correr? Pois bem, esses tempos já foram. Hoje, a sapatilha ocupa um lugar de destaque no dia a dia, rivalizando – e muitas vezes ultrapassando – o sapato clássico. A sapatilha, outrora confinada ao recreio e às corridas de fim de semana, tomou de assalto as ruas, os escritórios e até os salões. Tornou-se companheira de viagens, cúmplice de encontros e símbolo de uma era que trocou o brilho da pele pelo conforto discreto da sola de borracha. É sapatilhas com calças, com jeans, saia, calções, até fato. Isso mesmo! Com saia curta, saia longa, obviamente fato de treino. No inverno, época mais atreita a calçado protetor das chuvas e intempéries, só sapatilhas. No verão sapatilhas só, apesar de apetecer andar com os pés ao léu. Temos sapatilha para sair, para desporto, a imitar bota, sapatilha sapato, brancas, todas as cores, psicadélicas, com plataforma ou sem, com atacadores, com velcro, ou até de entrada fácil. Vemos rotas, e até “sujas”, da top star, de basquetebolistas, com brilhos ou sem. É hoje rainha. Tudo é sapatilha, para festas, passeios, para a noite e para o dia, até para casamentos, veja-se lá. O comércio a retalho está a ser fustigado com o encerramento de milhares de sapatarias nos últimos anos. Na Alemanha, por exemplo, um dos maiores destinos das exportações portuguesas de calçado, em 2022 encerraram 1500 sapatarias. Veremos como a nossa indústria lidará com esta tendência cada vez mais omnipresente e quando nessa matéria as marcas internacionais têm muito mais quota de mercado e melhor se impõem. E já não só as de desporto, também as há da moda e de luxo associadas e em parceria com marcas desportivas de grande prestígio, de grife, a apostar em exclusivos, edições limitadas, preços elevados. É certo que podemos produzir para as mesmas, mas foge uma parte em que nos impúnhamos. Estamos a deixar fugir essa dimensão de escala da marca! Temos que dar o salto da cadeia de produção para a competição na venda final. A marca desempenha um papel fundamental no mercado do calçado, pois vai muito além de identificar um produto: transmite valores, confiança e diferenciação. Neste setor altamente competitivo, onde muitos modelos podem ter qualidade e preço semelhantes, a marca funciona como fator decisivo na escolha do consumidor. Além disso, agrega valor simbólico, aportando a estilos de vida, tendências e emoções, o que fortalece a lealdade do cliente. Uma marca bem delineada no mercado do calçado, não só garante reconhecimento e prestígio, mas também permite às empresas expandirem para novos mercados, mantendo relevância e competitividade a longo prazo. A indústria portuguesa dá sinais preocupantes. Desde o início de 2024, muitas empresas de calçado encerraram portas, e o número de falências subiu assustadoramente afetando, principalmente, pequenas e médias empresas que sempre foram a base do setor, particularmente nas regiões do Porto e Braga. É verdade que as modas vêm e vão, mas esta alteração de preferências dos consumidores em prol deste tipo de calçado e seu fabrico com maior preponderância noutras paragens, não predominante na marca “Portugal”, do calçado em couro, bota e sapato, importa um sério olhar e uma reconversão ou nova projeção que deve começar internamente.

António Lima Martins

António Lima Martins

7 outubro 2025