twitter

José Caldeira, um “dano colateral” dos fogos “rurais”

Os prejuízos vários, causados pelos fogos florestais). No fresco ar condicionado dos seus gabinetes, os técnicos que os estudam e tentam combater, chamam-lhes agora fogos “rurais”. A alteração não é totalmente descabida, pois há anos só ardiam matos e florestas; hoje, arde tudo: florestas, matos, culturas, animais, armazéns, capelas, colmeias, carros, casas, postes de baixa tensão, caminhos, estradas, auto-estradas e até, às vezes, pessoas inocentes (muitas, mais de 150 num só ano, como foi o de 2017…). Mas todos estes prejuízos são danos directos, não são danos” colaterais”, como no caso que vou referir hoje: um suicídio.

O muito trabalho da gente do campo). Ricos ou pobres, os homens do campo deitam-se cedo e levantam-se frequentemente ainda mais cedo. Trabalham do sol nascido (ou “nado”, Solnado era a alcunha-apelido do antepassado do famoso Raul Solnado, originário da zona de Ferreira do Zêzere) até ao sol posto; e hoje, que há luz elétrica, às vezes até de noite. Ponha-se qualquer um de nós, no lugar deles; e imagine-se o desgosto, a revolta que sentiriam quando vissem o resultado do seu árduo e suado trabalho de anos, destruído impunemente no espaço de minutos, pelo fogo voluntariamente, criminosamente causado por um qualquer energúmeno desconhecido (e frequentemente morador bem longe dali). Para mais, com frequência, até são secretamente avisados por vizinhos que este ano ou no próximo, será na zona deles que “vai arder”. Por informações cruzadas, até desconfiam que quem deitou fogo (ou mandou deitar) é certa pessoa, mas não há provas. Muito menos, provas da conspiração incendiária e dos interesses em causa.

Gente da Beira Baixa). É gente bem educada e pacífica, algo diferente da da Extremadura espanhola (mesmo ao lado estão Cáceres e Badajoz) e da Andaluzia, alfobre dos bravos e cruéis “Conquistadores” das Américas… Contudo, muitas pessoas famosas ou de mérito tem raízes no distrito de Castelo Branco e sua periferia próxima. Na política, Ramalho Eanes, Vasco Lourenço, Américo Tomás, João Franco, Rolão Preto, o conde de Penha Garcia, Ângelo Correia, José Seguro. Na religião, o saudoso D. Eurico Dias Nogueira (que conheci). Na música, Amália Rodrigues (e Celeste R. e Fábia Rebordão), o grande José Afonso (em parte, do Fundão), Tony Carreira. No teatro, Lia Gama, Ivone Silva, Margª Carpinteiro, Maria Tavares. No atletismo, os antigos recordistas lançadores José Galvão (que conheci) e J. Goulão. No Direito, o juíz Carlos Alexandre e o advogado bastonário Lopes Cardoso (que conheço).

O monte sagrado de Monsanto). É um “inselberg”, um gigantesco cabeço granítico, que se avista a largas dezenas de quilómetros, no meio das planícies da Beira Baixa. Desde a Pre-história que deve ser um lugar religioso, daí o seu nome. No tempo de Salazar, a aldeia que fica na sua encosta ganhou o título de “a mais portuguesa de Portugal”. Por lá deve ter passado a gloriosa tropa apeada do grande Viriato, cujo berço talvez tenha sido a zona do Fundão e serra da Estrela (oriental), resistindo encarniçadamente, no séc. II a. C., ao sangrento avanço romano. 70 anos depois, Júlio César por lá também passou, ordenando a descida dos últimos resistentes lusos, desde as altas serras para a planície. A legião romana só terminou ali a conquista, com Caius Metellus Pius (de cujo nome derivam os de Medelim e da “gémea” Medellín, em Cáceres, madrinha da da Colômbia…)

O homem que “falhou à Itália”). Este Verão houve na região, abundante em pastos e sobreiros, um magno incêndio, fogo-posto que começou em Aranhas (Penamacor) e que, com o vento destruiu mais de 2000 hectares para sul, também no conselho de Idanha. Havia 2 irmãos, ricos agricultores-pastores, que eu conhecia bem. Um é Rui Caldeira, que fisicamente saiu ao lado luso. Seu irmão José Adelino Caldeira herdou os genes do conquistador romano, vagamente parecido com o snr. Cónego Melo (que também conheci). Fui em Agosto visitar a área ardida, com um casal de Trancoso; e dialoguei com o José Adelino, que após o extenuante combate de dias, conduzia a velha carrinha verde de serviço. Passado semanas voltei lá e falei com Rui Caldeira, um amigo. A meio da conversa, revelou-me que aquele seu irmão se havia enforcado num sobreiro, depois de subir para a mesma carrinha. Gente de trabalho, gente de honra. “ D’onuri”… Mas falhou à mãe-Itália. Não virou a violência contra os criminosos, mas sim, contra si próprio.

Eduardo Tomás Alves

Eduardo Tomás Alves

7 outubro 2025