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Recordações que não se esquecem

 


 

Estamos no mês de Outubro. Há uns anos atrás era o mês do recomeço das aulas. Por isso, se havia alguma expectativa na sua proximidade, para um adolescente tornava-se uma espécie de balança irrequieta, porque tinha consciência de que devia estudar para conseguir, na sua maturidade, trabalhar para se sustentar a si e a todos aqueles que dependessem da sua autoridade, quer como futuro chefe de família, quer como adulto que tem a seu cargo algumas actividades que não dispensam uma compnsação monetária.

Recordo que alguns amigos chamavam a Setembro, o “mês do adeus”, porque deixavam, em breve, de poder dispor do seu tempo para fazer aquilo que lhes apetecia, porque tinham de subordinar-se aos horários da escola, às idas e vindas para a frequentar, etc. Na sua memória, nasciam com frequência os ralhetes das suas mães, que sempre lhes chamavam a atenção para a demora excessiva que de manhã ocorria ao tomarem o pequeno almoço – parece que não a sabiam evitar –, obrigando-os depois a correr para as aulas. E se, em algum dia, chegava a casa a nota de uma falta por atraso à hora da primeira lição, como costuma dizer-se, “caía o Carmo e a Trindade”. A mãe era a primeira a saber, quando o pai chegava do seu trabalho, mostrava-lhe o sucedido e depois levantava-se uma tempestade de berros e recriminações, quando não de alguma sapatada da mão do progenitor, que depois castigava o seu filho. E a sanção habitual era proibi-lo de ver o próximo desafio de futebol do seu clube predileto, quando este se realizava no seu estádio.

O rapaz ficava tristíssimo, quer por só poder ouvir pela rádio o relato, quer também por não acompanhar uma série de colegas da sua aula, que eram fiéis assistentes de todos os encontros, levando consigo bandeiras do clube, que, no dia seguinte, ou seja, na 2.ª Feira, embora fosse expressamente proibido de o fazer segundo o ditame do director da escola, exibiam caladamente no fundo do recreio, fazendo chacota dos colegas adeptos do clube perdedor. Estas situações davam origem a uma troca de palavras mais duras entre os grupos opositores. Quando o ambiente aquecia demasiadamente, podia chegar-se a um nível de relação não apenas verbal, mas de troca física de algum mosquete, ou mesmo de pugilismo mais violento.

Lembro-me que, de certa vez, um colega e amigo, depois de uma dessas conversas mais aquecidas, apanhou um murro tão forte no seu nariz, que ficou a sangrar de um modo violento, Por mais que tentasse, não conseguia parar o fluxo vermelho que acabou por tingir toda a cara e também a roupa que vestia. Foi necessário levá-lo ao médico escolar. Pelo caminho, apareceu o director da escola. Ao vê-lo naquele estado, perguntou-lhe: “Quem foi que te bateu?” Respondeu: “Fui eu que dei um trambulhão e bati com o nariz no chão...” . 

Esta resposta ficou célebre. E todos os colegas e amigos a receberam como uma prova de alguém que era forte e não queria prejudicar um companheiro. Este – o agressor –, por seu turno, sentiu-se na obrigação de lhe agradecer, imediatamente a seguir ao desaparecimento do director. Pôs-se à frente do ferido, com as mãos atrás das costas, estendeu o nariz e disse-lhe: “Dá-me um murro no nariz como eu te dei...” Todos louvaram o seu oferecimento, mas o ensanguentado recusou a oferta: “Não te preocupes... O médico escolar já tem muito trabalho comigo...”

Uma grande salva de palmas e muitos “urras” se fizeram ouvir, quer para premiar a atitude do que sangrava, quer para louvar também a voluntariedade do agressor. É sempre um motivo de recordação e de amizade que se evoca, quando nos reunimos para não esquecer os velhos tempos da nossa juventude.

Pe. Rui Rosas da Silva

Pe. Rui Rosas da Silva

4 outubro 2025