Os portugueses mais novos mal suspeitam e os mais velhos já quase não se lembram. Nos anos oitenta do século passado, iniciaram-se, decididamente, as restrições ao fumo em ambientes fechados no nosso país, as quais depois de 2007 se alargariam, progressivamente, a outros espaços públicos. Até então, assistia-se a um “festim” tabágico, ancorado em criativos anúncios, como sucedia com o famoso cowboy a fumar Marlboro numa apelativa, saudável, e ampla paisagem aberta.
Não faltaram os protestos, não faltou quem estranhasse esse “cerco à liberdade individual”, esse estigma que era colocado sobre os fumadores. Afinal, os mais conhecedores, até podiam apontar que durante muitas décadas, na transição dos séculos XIX para XX, o Orçamento de Estado colhia generosas receitas das concessões do “monopólio dos tabacos”. Ah, e já durante o Estado Novo seria o vinho que mereceria amplo patrocínio estatal, quando cartazes espalhados pelo país asseveravam que “beber vinho é dar pão a um milhão de portugueses”.
Quanto a vícios, podemos, pois, acertar que se vivia num tempo de amplas liberdades sem sentimento de culpa.
E agora, depois desta espécie de circunlóquio, vamos lá ao ponto da “conversa” de hoje, prezado leitor.
Em finais do ano passado, o Parlamento da longínqua e liberal Austrália aprovou legislação que interdita o acesso de jovens a redes sociais antes dos dezasseis anos de idade. A autoritária China, já anteriormente (2021) colocara restrições (idade e tempo de permanência diário) no acesso dos mais jovens ao TikTok.
A liberdade de navegação dos mais jovens nas diversas redes sociais propicia-lhes a possibilidade, ou a ilusão, de ter muitos amigos, de se conectar com “muito mundo”. Simultaneamente, porém, estes jovens tornam-se alvos desprotegidos de conteúdos potencialmente tóxicos, que arrastam a difusão de bullying, a promoção de suicídio ou de ideologias extremistas, tudo, paradoxalmente, num contexto de maior isolamento social. De permeio, o carácter viciante das redes sociais, mais intenso entre os mais novos, torna-os mais avessos à leitura, rouba-lhes tempo de estudo, piorando, assim, o seu rendimento escolar.
Decide bem o poder político australiano quando passa a condicionar o acesso dos mais jovens a estas plataformas, protegendo-os de influências nocivas. Alguns que se pretendam alardear como estrénuos defensores da liberdade, poderão aventar que esta interdição servirá muito bem os regimes autoritários que, assim, podem frenar a adesão dos mais jovens a eventuais protestos antigovernamentais, conforme se observa pontualmente.
Provavelmente, esta interdição das redes sociais aos mais novos não logrará eficácia plena, atento o facto de alguns poderem apanhar boleia com amigos ou irmãos mais velhos. De qualquer modo, sopesando tudo, este é um interdito que se me afigura benévolo e que provavelmente tomará caminho noutros países (em França, no corrente mês de setembro, uma comissão parlamentar recomendou a interdição de redes sociais a menores de 15 anos e ainda implementação de “um toque de recolher digital” para os jovens entre os 15 e os 18 anos).
Na senda de decisões adotadas em França, Grécia e outros países europeus, por cá, o ministro da Educação decidiu muito bem ao interditar, nas escolas, os telemóveis aos alunos dos 1.º e 2.º ciclos de escolaridade. Numa sala de aula, a utilização furtiva dos telemóveis pelos alunos (os smartphones são uma espécie de minicomputador) estabeleceu-se numa das razões mais relevantes para a distração dos alunos, para o seu comportamento disruptivo e, inevitavelmente, para uma quebra nas aprendizagens. Em nome da eficácia, o caminho futuro deverá passar por num alargamento desta proibição a anos mais avançados na escolaridade. E de qualquer modo, afora as inevitáveis exceções (alunos estrangeiros que usam o telemóvel como tradutor, alunos com necessidades educativas especiais, ou quando a estratégia do docente para a aula o requeira), a eficaz adoção de interdições no uso de telemóveis na sala de aula, em todos os níveis da escolaridade obrigatória, contribuirá, inquestionavelmente, para uma maior concentração dos alunos, para uma melhor progressão dos mesmos nas aprendizagens escolares.
Bem poderemos acertar que, nestes dois casos, menos liberdades redundam num crescimento e vivência melhores.