A Psicologia tem vindo a explorar, cada vez mais, o comportamento alimentar e como este não se explica apenas por fatores biológicos ou culturais, mas também pelas dinâmicas digitais que hoje moldam o quotidiano. Em Portugal, diferentes estudos mostram que as redes sociais desempenham um papel fulcral na forma como as pessoas lidam com a alimentação, com a imagem corporal e com a autoestima.
Uma das pesquisas mais recentes concluiu que o uso das redes sociais de forma negativa encontra-se associado a perceções corporais negativas, desejo de magreza e comportamentos de compulsão alimentar, sobretudo entre utilizadores que se expõem a conteúdos visuais centrados na aparência (Bastos, 2023). Também, durante a pandemia de COVID-19, verificou-se que o tempo passado nas redes sociais aumentou significativamente e, com ele, o contacto com conteúdos de comparação corporal. Este fenómeno foi identificado como um fator de risco para perturbações do comportamento alimentar em jovens adultos (Gomes, 2023).
A adolescência é uma fase particularmente sensível, e na qual a investigação portuguesa aponta que o consumo frequente de imagens idealizadas em plataformas como instagram e tikTok contribui para perceções corporais distorcidas e atitudes alimentares de risco. O estudo de Cunha (2022) mostra que esta exposição diária potencia a insatisfação com o corpo, a baixa autoestima e, em alguns casos, ansiedade ligada à alimentação.
Para além das alterações psicológicas, os efeitos estendem-se também aos hábitos alimentares. Uma pesquisa realizada com adolescentes portugueses revelou que muitos passam entre duas a quatro horas por dia online e que, nesse período, são fortemente expostos a publicidade de alimentos processados. Esta exposição acabou por influenciar escolhas menos saudáveis, marcadas pelo consumo excessivo de açúcares e gorduras (Ferreira, 2015).
Importa, ainda, destacar fenómenos recentes como a chamada “dismorfia do Snapchat”, em que adolescentes comparam a sua imagem real com versões alteradas digitalmente. Embora este conceito tenha origem no contexto norte-americano, já foi identificado em Portugal e associa-se a insatisfação corporal e ao risco acrescido de distúrbios alimentares, sobretudo entre utilizadores do sexo feminino (Silva, 2021).
De forma mais ampla, uma revisão sistemática sobre jovens adultos portugueses demonstrou que as redes sociais podem ter uma influência ambivalente: em alguns casos, funcionam como espaços de partilha e apoio, mas, na maioria, favorecem a exposição a conteúdos que promovem ideais corporais irreais e dietas rígidas, aumentando assim o risco de comparação social e de comportamentos alimentares disfuncionais (Melo, 2022).
No conjunto, estes resultados evidenciam que, embora as redes sociais possam trazer oportunidades, os riscos parecem prevalecer. Torna-se, por isso, urgente apostar em programas de literacia digital e alimentar, capazes de promover uma leitura crítica dos conteúdos online. A Psicologia, neste campo, desempenha um papel fundamental, ao desenvolver estratégias de prevenção e intervenção que ajudem não só a proteger os mais vulneráveis, mas também a incentivar um uso mais consciente e equilibrado das redes sociais, com os seus diferentes impactos e, nomeadamente, no que diz respeito ao comportamento alimentar.
Catarina Cação Pereira
Psicóloga da Nutrémia, Clínica de Nutrição e do Comportamento
Referências
Bastos, M. (2023). Uso problemático das redes sociais, perceção corporal e comportamento alimentar [Dissertação de mestrado]. ISPA.
Cunha, S. (2022). Redes sociais, imagem corporal e comportamento alimentar em adolescentes [Dissertação de mestrado]. Universidade de Lisboa.
Ferreira, M. (2015). Comportamento alimentar e uso das redes sociais em adolescentes portugueses [Dissertação de mestrado]. Instituto Politécnico de Leiria.
Gomes, I. (2023). Uso das redes sociais durante a pandemia e risco de perturbações do comportamento alimentar em adultos jovens [Dissertação de mestrado]. Universidade de Coimbra.
Melo, M. (2022). O impacto das redes sociais na saúde mental e nos comportamentos alimentares em jovens adultos: revisão sistemática [Dissertação de mestrado]. Universidade da Beira Interior.
Silva, A. (2021). Dismorfia do Snapchat e perceção corporal em adolescentes portugueses [Dissertação de mestrado]. Universidade do Porto.