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Um tempo que não é novo

1 – Perseguidos por fantasmas. Talvez esta seja a justa perceção de quem procura rasto histórico para as desgraças em Portugal, como também na Europa ou até no mundo. E todavia, tal como assegurava Galileu no que respeitava ao movimento dos astros, a Terra move-se, evoluindo positivamente, mas também chafurdando em velhos vícios ou problemas.

Por cá, vivemos ainda a ressaca do desastre do Elevador da Glória, em Lisboa. Uma marca muito negativa no registo nacional das desgraças, cuja origem, independentemente das causas que venham a ser apuradas num relatório final, não pode deixar de ser imputada, em boa parte, à nossa tradicional tendência para o improviso, para a falta de planeamento rigoroso no respeitante à prevenção de acidentes. Por alguma razão, Portugal destaca-se negativamente na Europa pela taxa de mortalidade nas estradas, sendo que muitas das vítimas resultam de atropelamentos urbanos. Poupamos em tempo, em dinheiro, recusamos a eventual ansiedade de visualizar a hipotética desgraça – nunca eliminável em absoluto, sabemo-lo – como nos sugerem os estoicos ou os avisados, depois lamentamos muito e afinamos os procedimentos para obviar novos dramas futuros, como que se fosse inevitável termos de experienciar a desgraça para assumirmos que a mesma não é recomendável.

Não é só em Portugal que ocorrem grandes acidentes ou incidentes evitáveis e deploráveis, mas por cá ocorrem por demais, importa reconhecer. De tempos recentes, podemos evocar a queda da ponte de Entre-os-Rios, em 2001, os grandes incêndios de 1917 e agora o elevador da Glória. De países do designado Terceiro Mundo estamos habituados a notícias de tragédias similares, ou maiores, e recorrentes. Portugal, situando-se no Primeiro Mundo, com vários indicadores de desenvolvimento elevado ou muito elevado, tem de porfiar por exibir melhor registo no referente a desastres ou fatalidades decorrentes de insuficientes medidas de segurança.

2 – A Rússia fez voar, por estes dias, alguns drones até ao território da Polónia, país membro da NATO. Ainda que a Rússia alegue que estas ocorrências resultaram de acidentes, com desvio de trajetória dos drones induzido pelas defesas eletrónicas ao serviço da Ucrânia, persiste a justa perceção de que estas “incursões” refletem uma tentativa de testar a determinação da Europa e da NATO em enfrentar o poderio militar, o desafio bélico russo. 

Neste domínio, tal como já aqui lembrei, estamos mal-habituados. O longo período em que a Europa Ocidental tem beneficiado de paz, desde 1945, afirma-se como uma verdadeira exceção histórica. E em toda a Europa, só a guerra na ex-Jugoslávia, na década de 1990, e agora a da Ucrânia rasgaram o ambiente de paz nas últimas décadas. 

O testemunho histórico europeu dos últimos séculos assinala, de facto, muita conflitualidade. Na segunda metade do XVII, a Europa só conheceu os anos de 1669-70 sem conflitos militares, e tal se for desconsiderada a guerra entre a Rússia e o Império Otomano. Entre disputas territoriais e dinásticas, a Europa do século XVIII vivenciou diversas guerras, as quais tendem a assumir um cariz nacionalista e imperialista no século XIX. O século XX, arrastou a Europa para duas terríveis guerras mundiais.

E agora, com sentimento de cerco promovido pelo império russo, a Europa procura preencher as prateleiras dos seus arsenais, reaviva a memória das trombetas de guerra. É uma outra forma de planeamento, neste caso, todavia, não dirigido para evitar acidentes, mas tão-só para dissuadir afrontas militares, veleidades imperialistas. 

O progressivo isolacionismo americano, denotando abdicar da assunção de um convincente papel dissuasor no plano europeu face a eventuais incursões militares russas, agrava a situação, numa Europa cuja capacidade militar parece, por si só, não atemorizar o imperador Putin.

Esperemos que a guerra na Ucrânia termine, e sem a capitulação deste país. 

A nós, cidadãos comuns, não resta senão fazer figas para que, apesar de tudo, o bom senso prevaleça, evitando-se o incêndio da guerra por todo o continente europeu, o que, atentas as armas hoje existentes, só poderia redundar numa hecatombe, num possível suicídio civilizacional. Planeamento, bom senso e otimismo, precisa-se.

Amadeu J. C. Sousa

Amadeu J. C. Sousa

12 setembro 2025