O acidente havido em Lisboa na semana passada vai continuar na ordem do dia por muito tempo. Por ter sido muito grave e, além disso, por ter repercussões políticas, logo quando falta cerca de um mês para as Autárquicas. Uma tragédia assim não se esquece num abrir e fechar de olhos. Há comportamentos que se vão alterar, desde logo, em Lisboa, mas as ondas de choque não vão parar. Ao menos, que os responsáveis do país, dos diferentes serviços do Estado e das autarquias reflictam na forma como exercem os seus cargos e gerem a coisa pública.
Não existem ainda resultados, nem sequer preliminares, que expliquem o sucedido, mas tem-se falado, embora isso tenha sido negado pelos responsáveis, de que pode ter havido falta de atenção na manutenção. Alguns populares, aparentemente sem qualquer vínculo com a empresa detentora do material circulante, também se pronunciaram em desfavor da ideia de que os elevadores teriam sido sujeitos aos melhores controlos por parte da empresa municipal. Alguma coisa não bate certo. Se os serviços de manutenção tinham sido adjudicados a empresa externa, isso não retira a necessidade e a obrigação de acompanhamento e controlo por parte do proprietário do equipamento. Nenhum responsável pode sacudir, com ligeireza, a água do capote e atribuir culpas ao acaso. Na verdade, isso ainda não aconteceu, ainda que possa ter havido alguma tentativa de fugir ao tormento, bem sintetizado pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa: “aqui ninguém foge”.
Sempre me fez uma certa confusão o facto do Estado entregar a uma empresa privada serviços essenciais e críticos sujeitos a um clausulado nem sempre suficientemente abrangente e a um protocolo temporal que pode não corresponder às efectivas necessidades. Além do mais, a externalização de funções leva frequentemente a uma desresponsabilização por parte da tutela que, às vezes, como pode ter sido o caso, gera desatenções e estas situações graves. Uma empresa privada, ainda que absolutamente cumpridora de um contrato, não acompanha certamente ao pormenor o que seria feito, porventura, por uma equipa própria. A verdade, é que tem sido uma prática recorrente; e incontornável. Seja como for, o caso deve ser aproveitado por outros decisores públicos para reflectirem e retirarem consequências do que aconteceu. Espera-se que equipamentos semelhantes aos de Lisboa sejam olhados com outros olhos, mais atentos, sujeitos a inspecções profundas e objecto de melhor ponderação quanto aos contratos de manutenção. Ao menos, que da tragédia que se abateu sobre a capital se retirem ilações.
2. Houve tempos em que, por falta de normalização, os serviços e obras públicas contratados pelo Estado a empresas privadas descambavam em termos orçamentais, dando azo a que se suspeitasse de conluio e de eventual corrupção. Eram muitos os casos e a normalização dos procedimentos de contratação cortou com desmandos pornográficos como os que aconteciam. Hoje, as Instituições públicas gerem orçamentos apertados e procuram escolher propostas que caibam nas dotações orçamentais que lhes são atribuídas, podendo dar-se o caso dos valores comprimidos ao máximo com que procuram comprar o que lhes faz falta no mercado não corresponderem exactamente à quantidade e qualidade dos serviços pretendidos.
O princípio orientador de um gestor público deve ser o da responsabilização: gerir o que é de todos com parcimónia e competência, gastando no que for essencial para o bem comum, abstendo-se de gastar no que for secundário. Não é legítimo poupar no essencial e esbanjar no supérfluo. É certo que as Autarquias apresentam contas por disposição legal, mas não é habitual que sejam questionadas pelas opções feitas e pelo que deixaram de fazer tendo contratualizado serviços que não eram fundamentais. Às vezes, são capazes de esbanjar em festas de toda a espécie e feitio. Mas, um autarca não é “dono” de qualquer quinta pública, é apenas e só administrador da mesma. Deve tratá-la com responsabilidade e sentido público, ciente de que o dinheiro da dotação orçamental não é seu, mas de todos os que vivem na circunscrição territorial que superintende.