Poderemos dividir as etapas da implantação da ‘república’ – como regime político-administrativo – no nosso país, até agora, em três momentos: a primeira república de 1910 até 1926; de 1926 a 1974; a partir de 1974 e até a uma data convencional – as anteriores tiveram saltos de configuração – fixada algures entre o final da segunda década do século XXI e após a pandemia…numa expressão camuflada e tendenciosamente subtil.
1. Qual a razão de alvitrarmos o surgimento de uma ‘quarta república’ por essa ocasião? Que factos ou episódios nos podem levar a propor essa mudança de ciclo na perceção do republicanismo? Já todos nos apercebemos que algo mudou e que a terceira república emergente da revolução de ‘abril de 74’ passou o testemunho a algo de diferente, para o bem ou para o mal de todos e de cada um de nós? Embora seja um tanto imberbe a ‘quarta república’ coloca-nos desafios tantos ou mais graves que as anteriores subdivisões da consciência política em geral.
2. Por volta de 2019 deu-se um fenómeno político de graves sinais: foi-se agravando o espetro ideológico, não só no nosso país, mas como vinha a acontecer no resto da Europa e do mundo. As ideologias – marxismo, socialismo, trotskismo, social democracia e outras – foram perdendo expressão, senão na teoria ao menos na prática, enquanto emergia um novo fenómeno difundido como azeite em pano: o populismo, normalmente de tendência extremista de direita. Nalguns casos – mesmo na Europa – pareceu surgir como uma espécie de movimento inorgânico e foi alastrando em revoadas de simpatizantes, transformados em votantes e posteriormente militantes… Portugal não fugiu à onda e um partido uninominal tornou-se em seis ano de existência numa representação de quase um quarto dos deputados no parlamento nacional.
3. Ao usar aqui a expressão ‘IV república’ não quero entrar nas lamúrias de crise da república nem sequer ouso propor qualquer mudança de regime – seja mais presidencialista ou que assuma mais questões do foro social nem sequer que possamos ter chegado ao fim de um sistema eleitoral algo anquilosado – tão somente parece que há propostas no ar que fascinam os mentores e desiludem os eleitores. Com efeito, continuamos com uma lei eleitoral ainda alicerçada em círculos eleitorais distritais, insistimos numa proposta de votação facultativa e não obrigatória, pois quem vota ou quem se abstém tem (ditatoriamente) os mesmos direitos e pode exprimir as mesmas reclamações, quando nem se dá ao cuidado de participar, os eleitos – à exceção do nível autárquico – não prestam contas a quem os elegeu nem dialogam com os seus votantes…
4. Não acredito em muitos dos proponentes da mudança de sistema, se eles não forem os primeiros a serem escortinados, mesmo na elaboração das listas a sufragar. As figuras sinistras do aparelho dos partidos (mais velhos ou mais recentes) continuam a manobrar os seus interesses, muitos deles subterrâneos e capciosos. Nem os ditos independentes fogem a esse labéu, pois parecem também fazer crer que são diferentes, mas escondem as mesmas (ou piores) mazelas dos partidos já instalados… Muitas das ‘armas’ usadas são de fabrico artesanal, no conteúdo e na forma.
5. A minha noção de ‘IV república’ não afina pelo diapasão de certas figuras mais interessadas em desfazer do que em construir, com propostas de confusão para reinar. A minha perceção de necessidade de ‘IV república’ passa por expurgar da constituição de resquícios ideológicos – mesmo que alguns já tenham saído a contragosto de certas forças de há cinquenta anos – sem nexo que só valem quando convém aos proponentes. Setores como trabalho/economia, justiça/segurança, educação/cultura ainda estão no século passado da era da primeira república…
6. Nesta democracia quase em falhanço – arrastando a terceira república com ela – torna-se urgente limpar certos tiques de direitos adquiridos. Até quando teremos lugares reservados, se dizem que somos todos iguais, segundo a lei republicana? Até que tempo teremos de aturar uns privilegiados que excluem os normais? Até quando teremos de ser confrontados com opinadores, que não passam de manipuladores encartados e com audiências?
6. Não será que a ‘IV república’ poderá corrigir (ainda) os defeitos das anteriores?