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IA: Quando a Probabilidade Não Chega

Um certo governo, num certo país, fascinado com a ideia de eleições com resultados imediatos, decidiu apostar forte nas sondagens. Primeiro, tentou reduzir as margens de erro e melhorar as amostragens. Depois, foi mais longe: treinou os modelos de sondagens com base em todas as eleições anteriores, para aumentar ainda mais a taxa de acerto.

Até que, num passo arriscado, decidiu substituir as eleições pelas próprias sondagens. Resultado? Rapidez sim, mas também contestação total. No fim, foi preciso contar todos os votos. Uma história absurda? Sem dúvida. Mas é a metáfora perfeita para lembrar que processos que exigem rigor absoluto, ou seja, determinísticos, não podem ser trocados por aproximações baseadas em probabilidades.

Na vida real, seja na sociedade, nas empresas ou no trabalho pessoal, não basta muitas vezes ficar “quase certo”. Há situações em que só o 100% conta.

É aqui que entram os desafios da Inteligência Artificial (IA). Segundo o estudo do MIT, The GenAI Divide: State of AI in Business 2025 1, 95% dos projetos-piloto em IA generativa não têm impacto mensurável no negócio. E um dos principais motivos é o alinhamento das soluções tenológicas às necessidades do negócio, dos processos reais, hoje e amanhã! Um desses exemplos é a incompatibilidade entre a lógica probabilística destes modelos e a exigência determinística de muitos processos empresariais, entre muitos outros.

Este dilema não é novo. No mundo das tecnologias, temos um exemplo clássico: TCP e UDP, dois protocolos de comunicação. O TCP garante que tudo o que é enviado chega exatamente igual ao destino, essencial para ficheiros de software ou documentos, onde basta um bit diferente para corromper tudo. Já o UDP, usado em áudio ou vídeo, aceita pequenas perdas sem problema. Um som ligeiramente truncado ou um pixel a menos não destroem a experiência.

Por isso, a lição é clara! É preciso adequar a tecnologia ao desafio. A euforia com a IA levou muitos a querer aplicá-la em tudo. Agora, estamos a regressar à realidade. O segredo é trabalhar com casos de uso bem definidos, mensuráveis e alcançáveis. (os famosos objetivos “SMART”). Há áreas onde a IA já provou ser indispensável. Mas noutros casos, usá-la de forma irrefletida pode gerar maus resultados ou investimentos desastrosos.

Por isso, a literacia digital é essencial. Na minha perspetiva, gerir transformação digital exige três pilares de conhecimento e competências: Negócio + Liderança + Tecnologia. Esta visão está em linha com o pensamento de autores de referência ligados à Harvard Business Review, como Linda Hill, George Westerman ou Nathan Furr, que têm sublinhado que a transformação digital só acontece de forma sustentável quando estratégia de negócio, liderança e tecnologia estão articuladas, para garantir que a transformação acontece com impacto real e sustentável.

A qualidade dos dados

Outro problema gritante: a falta de dados de qualidade. Sem dados fiáveis, qualquer modelo de IA falha. Muitas empresas não investiram a tempo numa cultura de “decisões baseadas em dados” nem criaram bases sólidas para recolher, organizar e governar informação. Agora, estão atrasadas na corrida, sem capacidade para treinar modelos ou gerar resultados confiáveis.

Se não se dá um passo hoje, amanhã será preciso dar dois. E essa é uma lição dura para quem deixou o tema dos dados para depois.

A visão para o futuro

Apesar de tudo, não há volta a dar: a IA é um acelerador poderoso. Mais do que um luxo, é um cocktail de vitaminas para os negócios. E quem não a usar para avançar depressa, vai ficar inevitavelmente para trás.

Porque a verdade é simples: a concorrência já está a fazê-lo. A IA não serve para relaxar. Serve para ir mais longe e mais rápido. Esse tem de ser o posicionamento das empresas.

Quem não tiver essa ambição, mais cedo ou mais tarde vai ter de acertar contas com o futuro.



 

1 Massachusetts Institute of Technology. (2025). The GenAI divide: State of AI in business 2025. MIT Sloan School of Management.

Guilherme Teixeira

Guilherme Teixeira

3 setembro 2025