Nos últimos tempos fala-se muito de professores. Fala-se de horários, de greves, de burocracias. Mas raramente se fala da essência. Afinal, o que é o que se espera de um professor?
Em Portugal, como sempre, “casa roubada, trancas à porta”. E a classe docente foi amplamente roubada. Não de dinheiro, como tantos insistem em reduzir a discussão, mas de algo que não tem preço: dignidade, prestígio, reconhecimento. De repente, o professor deixou de ser visto como o alicerce que sustenta uma sociedade instruída e justa para ser tratado como um funcionário descartável, facilmente trocado por qualquer especialista de ocasião.
Mas ensinar não é despejar conteúdos. Ensinar é uma arte. É ciência, é técnica, é método, mas é também, e sobretudo, humanidade. O professor não ensina apenas fórmulas ou datas. O professor lê silêncios. Percebe quando um aluno baixa os olhos para esconder uma ferida. Entende que há olhares vazios que pedem ajuda, mãos que tremem de medo, silêncios que gritam mais alto do que qualquer palavra.
Num tempo em que os alunos chegam cada vez mais carentes, frágeis, dependentes, sem autonomia e sem referências, quem lhes segura o caminho? Quem acredita neles quando todos os outros já desistiram? Quem lhes mostra que falhar não é cair para sempre, mas recomeçar com mais força? O professor.
E é aqui que importa dizer, alto e claro: ser professor não é a escolha de quem não tinha mais nada para fazer. Não é o destino de quem falhou em tudo o resto. Essa caricatura é uma ofensa. Ser professor é uma missão. É assumir que cada palavra pode marcar um futuro, que cada gesto pode deixar cicatriz ou curar feridas. É estar consciente de que uma aula nunca é só uma aula: pode ser a diferença entre desistir ou acreditar.
E no meio desta complexidade, de ensinar, apoiar, orientar, de ser cientista, psicólogo, mediador, inspiração, ainda ousam reduzir o trabalho do professor a detalhes ridículos. Falam-lhe de burocracia, de atas, de plataformas, de sumários. Como se o futuro de um aluno dependesse da hora exata em que a caneta escreve uma linha num livro de registo. O professor sabe quando escrever o sumário. Sabe porque conhece a sala, conhece os ritmos, conhece as pessoas. O professor não é cego a regulamentos, mas também não é escravo deles. É ele quem, todos os dias, decide como segurar turmas heterogéneas, como transformar desânimo em esperança, como fazer ciência e humanidade conviverem na mesma sala.
E convém não esquecer: foi o desprestígio da profissão que nos empurrou para o precipício. Foi o desgaste de uma carreira desvalorizada que levou muitos a virar costas sem olhar para trás. Hoje vivemos num país em que as desigualdades já são evidentes: no Norte ainda se conseguem colmatar carências, mas no centro e no Sul a realidade é outra, dura e crua. Tapamos o sol com a peneira, mas o buraco cresce a cada dia. E se continuarmos a fingir que nada acontece, seremos engolidos por ele.
Então, afinal, o que se espera de um professor? Tudo. Espera-se que seja cientista rigoroso e, ao mesmo tempo, coração aberto. Espera-se que seja firme como uma rocha e flexível como a água. Que prepare relatórios, mas também futuros. Que cumpra prazos, mas nunca esqueça que a vida de um jovem não se mede em papéis carimbados.
E, mesmo assim, o professor continua. Continua porque acredita. Porque sabe que ensinar é semear, mesmo quando não se vê a colheita de imediato. Porque cada vitória de um aluno, por mais pequena que pareça, é um pedaço de futuro conquistado.
Por isso, a pergunta não é apenas o que se espera de um professor.
A verdadeira pergunta é: o que será de nós, como país, quando já não tivermos professores para esperar seja o que for?